CRIANÇAS...

Durante passeio ao Nordeste, em momentos de falso alheamento ao que se passava ao meu lado, meu pensamento se perdia naquilo que via quando passava por pequenas cidades que se localizam à beira da estrada.

Crianças de todos os tipos, formas e tamanhos correm nuas, vestidas, negras, brancas e de todos os tamanhos. A minha mente tenta ver e sentir o que uma criança pode pensar.Tento imaginar.

Os pensamentos que surgiam atormentavam minha alma que se tornava aflita diante do futuro incerto da maioria das crianças que se acotovelam por todos os lugares.Eram como animais que se apertavam, seguindo sem rumo para lugar nenhum.São caminhos sem futuro.

Enquanto meu pensamento se aconchegava, ficava aflito diante de tudo o que ouvia e via. Previa um futuro incerto para tais crianças que nascem e vivem, esperando apenas o momento certo da morte. É o que lhes resta de esperança. A certeza da morte.

O carro que passava veloz é o algoz do meu pensamento. Não posso parar e sentir o que pensa a criança desnuda que corre atrás de um cão sardento . Sua real e única distração.

O pai os cria apenas pelo dever de criar e por ter de si nascido. Não poderão sonhar a não ser o sonho criado pela televisão, que incentiva todos a aceitar sua condição de pobreza e miséria com resignação. O reino dos céus pertence aos pobres. Pobres coitados!

Crianças que passava e talvez eu nunca mais as veja e possa sentir seus anseios, medos e receios.O tempo impede que meu pensamento lhes sirva de alento contra o seu sofrimento.

Em pequenas comunidades espalhadas por todos os lugares do Brasil, crianças nascem e morrem mesmo sem sonhar.A maioria irá apenas seguir seu destino cruel e trágico da pobreza, não só material como também cultural e espiritual. Fatores irão concorrer para que aceitem sua mísera condição como única alternativa.

O pensamento é proibitivo para a maioria. As condições de pobreza impedem que a maioria tenha sonhos, a não ser sonhos de outros, que são vendidos através da televisão.

Crianças que irão se tornar adultos vazios, como sacos que apenas servirão para serem preenchidos de asneiras, crendices e burrices que surgem de todos os lados.

As escolas não acrescentam nada de novo que possa servir de alento a uma criança que nasce e quase sempre morre vazia

Espíritos que vêm ao mundo sem, no entanto, completarem o papel a que se propuseram por seguirem uma rotina cruel, que é a única que lhes resta.

A igreja, que poderia servir de apoio a um sonh,o procura escravizar ainda mais aqueles que se julgam filhos de Deus.

Pastores, padres, governantes e uma infinidade de pessoas inescrupulosas preferem amordaçar a todos para mantê-los servos fiéis sem nunca contestarem o sistema, criado para aprisionar homens como se fossem animais, prontos para o abate nos grandes matadouros da humanidade.

Enquanto procuram o saber apenas lhes será oferecido um prato de alimento. Como se tudo se resumisse a isso e nada mais fosse necessário para o homem.

Crianças que em qualquer parte do mundo se perdem nas encruzilhadas que a vida lhes cria. Criaturas que jamais poderão gritar sua revolta, pois foram educadas para obedecerem.

Elas são manipuladas por todos que mandam. São obrigados a obedecer e nunca pode perguntar qual seu papel no mundo onde vivem.

Enquanto o carro passa veloz, fico atormentado pelas crianças que são jogadas no mundo para apenas servirem de repasto ao sistema que os torna adultos e escravos do poder e do medo.

O inferno lhes é ofertado como única alternativa, se ousarem desobedecer. O demônio, com certeza, será mais condescendente que Deus.

Enquanto o adulto prossegue, melhor mesmo é que antes nunca tivessem deixado de ser uma criança. Segundo Jesus, a elas pertence o reino dos céus.

E assim sigo com meu pensamento que, em forma de lamento, sofre com o sofrimento das crianças que via quando passava. Sei que não poderei parar para dizer-lhes que também já fui uma criança.

14/02/03 -VEM

Vanderleis Maia
Enviado por Vanderleis Maia em 28/01/2006
Reeditado em 09/04/2009
Código do texto: T105283