AS MENINAS FUJONAS

Hoje é dia 24 de Junho de 2008

Vinha no ônibus 3.17; tinha almoçado com as minhas amigas Araci e irmãs e ia parar no centro a fim de fazer algumas coisas necessárias.

No fim da Av. Brasil entraram no ônibus duas meninas.

Suas roupas estavam limpas e, embora de qualidade simples, estavam arrumadinhas.

A mais velha aparentando uns 11 anos pediu à cobradora se podia passar por baixo da catraca para não pagarem. Iriam encontrar os pais no centro. A cobradora permitiu, mas a menor, de uns 5 anos, não conseguia entender por onde deveria passar. Aproximei-me e peguei-a no colo, passei-a por cima e a coloquei sentada. A outra se abaixou, rastejou e passou por baixo. Ficaram perto da porta.

Durante o trajeto, elas foram conversando e lhes perguntei por que estavam sozinhas. Responderam primeiro, que estavam perdidas. Depois, que estavam morando na rua desde Janeiro. Havia muita contradição no que dizia a mais velha. A menor só concordava!

Na Av. Senador Saraiva, a cobradora alertou-as que, se quisessem ir ao centro, já deveriam descer.

O ônibus parou, mas um senhor escutou-as dizendo que estavam perdidas e fez com que as duas subissem de novo e disse que elas deveriam ser levadas para a polícia.

A cobradora disse que não poderiam sair da rota e, então, em lugar de descer no centro ofereci-me para levá-las ao Quartel da Av. João Jorge. Afinal meus afazeres podiam ficar para o dia seguinte. Foi providencial a observação daquele senhor...

Descemos na Av. João Jorge e a mais velha, chamada Kate, não queria ficar comigo, queria largar minha mão, pois dizia que ia decidir sozinha pra onde ir, que sabia para onde iriam. A menor, Beatriz, balançava a cabecinha como a dizer que a outra mentia. A menor aparentava ter medo da mais velha. De fato, a fiz cair de novo em muitas contradições. Eu a segurava com força e ela até deixava a mochila cair para ir buscar, mas eu ia junto a ela segurando-lhe o pulso!

No quartel, o militar da PM nos atendeu, contei-lhes o que acontecia e alertei-o sobre as mentiras da Kate. Um outro, então, as separou e conseguiu saber nome dos pais da pequena Beatriz e, mexendo em sua mochila, descobriu material escolar com o nome da Escola Arthur Segurado.

No outro cômodo, o policial e eu revistamos também a outra mochila e descobrimos a mesma coisa: Escola Arthur Segurado. Descobrimos também um bilhete da professora da maior dizendo que precisava falar urgente com a mãe dela e que a mãe precisava assinar aquele bilhete!

Para confirmar, também perguntei os nomes dos pais à pequenina. Ela disse nomes diferentes!

Quando falava com calma com a Beatriz, ela dizia muita coisa, já na frente da outra, mentia.

Em quem acreditar!

Chamaram uma viatura, explicaram o caso a um superior e quando o carro chegasse, eles as levariam embora. Iriam primeiramente a tal escola.

A Kate não queria ir. A Beatriz só ficava perguntando se iriam presas, se o guarda ia atirar nela, o que iria acontecer! Foi preciso muita fala para que se sentisse segura. Já a outra, aparentava indiferença e sempre dizia que não voltaria pra escola, nem pra casa dela porque não tinha casa e precisei alertar o policial porque ela sorrateiramente estava procurando fugir. Ele a conteve.

O que ela dizia, a menor desmentia! Pelo visto, o medo por ter feito alguma coisa errada, fez com que ela fugisse da escola e levasse a outra, junto.

Perguntei à pequena porque acompanhara a maior e ela disse que ela a obrigara e tinha medo dela.

As mentiras se acumularam. Tinha uma senhora imaginação a menina Kate! Disse que tinha 9 anos, mas aparentava mais. Quando descobrimos o nome da escola disse que a mochila era de uma amiga. Você roubou, então? Perguntei. Respondeu que tinha pegado emprestado!!!

O policial anotou meu nome, endereço, documento e telefones para colocar no relatório.

Depois que a viatura se foi, ainda abanei a mão para as duas e fui dispensada.

Ainda estou pensando nas meninas!...

2ª PARTE DESTA CRÔNICA

Hoje, dia seguinte a essa crônica a respeito das meninas, procurei o telefone da tal escola; consegui depois de muito custo, pois a Escola mudou de classificação, segundo o governo. Falei com a Diretora, Sra. Maria Auxiliadora.

Ela nem acreditava que era eu a responsável pela volta das meninas! Agradeceu muito emocionada! Deu Graças a Deus, pois a responsabilidade pelo sumiço das meninas teria conseqüências legais imprevisíveis. Contei em detalhes tudo e, então, ela me contou o restante da história:

Elas moram em um Abrigo que fica atrás da Escola Gustavo Marcondes no Taquaral. Foram abandonadas pelos pais. Não são irmãs. A mais velha, Kate, tem na realidade 12 anos e não 9 como informou a mim e aos militares. Ela tem um certo retardo mental. A menorzinha, de corpo mirrado, Beatriz, não tem os 5 anos que falou, tem 7 e também tem uma certa dificuldade de raciocínio, talvez pela ausência de uma orientação educacional adequada.

Elas duas estudam na EEPG Artur Segurado. Na hora da entrada no período escolar, a Kate arrastou a Beatriz e não entraram na Escola. Os colegas contaram para a responsável que as fica recebendo no portão; esta, por sua vez, falou com a Diretora que comunicou ao Abrigo. Começaram as buscas a pé pelas redondezas da Escola e do Abrigo.

Estavam já desesperadas, pois fazia mais de uma hora que haviam dado por falta das meninas, quando chegou na Escola a Viatura da Polícia Militar com elas! Foi aquele alívio!

Justifiquei-me em querer saber notícias: eu estava envolvida com as meninas e tive que dar dados pessoais e documentos no Quartel. Elas duas estão de castigo no Abrigo, não foram hoje à Escola. Assim, termina este caso.

Termina, não, eu vou fazer uma visita a essa Escola e a esse Abrigo, se Deus quiser.

Quem sabe, voltarei aqui para contar a 3ª parte desta história.

Nota: Muita gente não conhece a cidade de Campinas, mas quem conhece poderá imaginar toda esta história e por onde ela andou...

Rachel dos Santos Dias
Enviado por Rachel dos Santos Dias em 26/06/2008
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