GENÉSIA ENTROU DE GAIATA
Outro dia eu estava supervisionando a limpeza da calçada de minha casa, trabalho esse feito pela Genésia, que nos momentos de sobrecarga de trabalho, larga tudo e fica de muxoxo pelos cantos da casa proclamando-se a última das mucamas, porque diz que eu a escravizo, mas é mentira, ela que é abusada, lê o jornal antes de mim, mete o bedelho em tudo que é conversa. Reclama de barriga cheia, embora esteja na família há mais de vinte anos e seja considerada como tal, exigiu carteira assinada, férias remuneradas, plano de saúde , décimo terceiro e tudo o mais que acha que tem direito. As nossas diferenças são por conta da TV no horário da tarde, enquanto eu quero me ligar no canal do Senado, ela, pela falta do que fazer, fica azucrinando os meus ouvidos e tentando puxar conversa comigo , contando as novidades espalhadas pelas apresentadoras da TV, os tais programas de todas as tardes , onde as apresentadoras comentam a vida dos artistas de novelas, quem deixou quem para casar com quem, quem vai posar nua na Playboy etc.etc.etc.
Até que eu já tentei politizar a Genésia, explicando o papel de um senador na conjuntura política do país. Sabe o que foi que ela disse, olhando com o maior desprezo para suas excelências? Vou até colocar um (sic) “Ah! Isto é programa de índio, um bocado de velho falando mal do governo e quando ele manda as coisas pra votar, fazem igual à vaca de presépio, balançam a cabeça e um lá grita : APROVADO!” Neste ponto calei-me e desisti.
Adoro a Genésia, a sua “ira santa”, faz parte dela. Só não sei o que danado ela está fazendo aqui na minha crônica, pelo jeito entrou de gaiata, feito Pilatos no Credo.
Eu queria mesmo era falar sobre o meu vizinho, grande proseador, que retornando de sua caminhada matinal, me avistou na calçada e veio na minha direção. Temos uma coisa em comum: gostamos de política, e foi sobre este tema que sentamos na beira da calçada para prosear. Enquanto ele se ajeitava eu observava as formigas “sarará”, que desciam da árvore que nos sombreava, cada uma carregando uma folha maior do que si própria e seguiam em procissão, para onde não sei. .
É bem falante o meu vizinho, o que mais me diverte nele é a mania que tem de fazer seus os pensamentos dos outros, isto sem a menor cerimônia, com ele é: leu, gostou, incorpora. O assunto caminhou para o lado das promessas feitas pelos senhores políticos quando canditatos e constantes de suas plataformas de governo. Ele, sem citar a fonte, repetiu palavras de Machado de Assis quando disse: “Oh! Por que não nasci eu assaz político” – e prosseguiu – pois se assim o tivesse sido e candidato a um cargo executivo me apresentasse, ao invés de um calhamaço contendo um programa de governo que, via de regra, por ser mirabolante nunca é cumprido, diria simplesmente aos eleitores, que o meu comportamento de governo primaria pelos princípios abaixo enumerados, frutos do meu pensar:
Nunca aceitar como verdadeira qualquer coisa que não seja visivelmente verdadeira.
Dividir as dificuldades em tantas partes quantas possíveis.
Começar procurando as soluções para os problemas mais simples e prosseguir, passo a passo, até os mais difíceis.
Rever todas as conclusões e assegurar-se de que nada foi esquecido.
Neste ponto fez uma pausa. Aproveitei para elogiar o discurso e acrescentei: só tem uma coisa, essas quatro regras por você citadas, não são do seu pensar, foram criadas por Descartes (Discurso do Método). Então, ele me respondeu: “É, eu sei, mas em campanha, trepado num palanque qualquer um é Napoleão, além do mais, quem danado lê Descartes hoje em dia?”.
A conversa terminou, o meu vizinho levantou-se, limpou os fundilhos da bermuda e seguiu o seu caminho. Eu permaneci sentada, observando as formigas que prosseguiam na sua caminhada.