QUIOSQUEIROS & QUITANDEIROS - Berenice Hering

Neste nosso continente Brasilis a informalidade é o eufemismo usado para se nomear a bagunça generalizada. Na praia, os barraqueiros vendem comida mais cara que em restaurantes a la carte. Eles se impõem mesmo, armam e quebram barracos. A desordem vem de longe. Acho que o lema da nossa Bandeira é um esconjuro. Quando se instalou a República em 1889, já pensou a misturolância que existia nas províncias, milhões (ou milhares?) de negros alforriados e libertos sem ter para onde ir, aposto que nenhum deles tinha um travesseiro onde recostar a cabeça, parodiando o que Cristo desabafou com alguns dos seus discípulos.

A desordem era progressiva e o lema positivista. Mas na Paraíba a legenda da bandeira do estado é NEGO. Será uma negativa? O verbo negar na primeira pessoa do singular do presente do indicativo? Quem seria o sujeito da negação? Ou é só uma sigla? Je ne c'est pas e quelque chose c'est la même chose.

Os camelôs de Sampa são aliados diretos de Lao Ching Chong. Em BH eles entulham a Caetés, a Tamóios, a Tupinambás e outras tantas ruas com nomes de tribos indígenas, sequencialmente e renitentemente. Não existe açao repressiva que intervenha e acabe com esse status quo. São todos iguais. Só mudam de endereço. Muitos, além dos bagulhos e tralhas, ainda repassam venenos, drogas e constumam se instalar defronte ou ao lado dos colégios e escolas. Os rapas de vez em quando fazem um rapapé. Mas não apreendem nem prendem. Aprenderam a "negociar", a contemporizar e propinar.

Os portugas descobrem o Brasil e o brasileiro vai a Portugal, falsifica documento e passa direto à França. Eis a decadência global. Paris, paraíso de artistas e talentos, vira a Montmartre e o Quartier-Latin de embusteiros, clandestinos e muambeiros. E todos se acham merecedores de chance, oportunidades, protecionismo. Os peregrinos sem a garra dos Pilgrins que foram para a América no May Flower e trabalharam como uns mouros...

No meu "roçado" em Laranja da Terra, as quitandas eram os bolos, broas, biscoitos e roscas assados no forno de barro aquecido a lenha, na varanda da cozinha, ou no terreiro. Os criativos alemães e seus descendentes, a matriarca "alemoa, quanto mais velha mais boa", não eram mais os teutos-batata. Descobriram o amido da mandioca que os indígenas já usavam e inventaram o biscoito de polvilho e o pão de queijo. A "cultura da broa de milho" é típica das Geraes e dos mineiros, Uai! E também das zonas fronteiriças que margeiam os Picos com ou sem Bandeira até ao Marzão.

Noutras paragens, a Quitanda é o mercadinho, a venda das verduras, temperos, legumes, alí na esquina. E vieram depois os Sacolões. E os sofisticados Hortifrutti.

Se uma corja se associa com outra temos aí os quadrilheiros, milicianos, eme-esseteanos, hackeranos. Á noite todos os gatos pardacentos empretecem. Tecem em seus teares as redes de intrigantes maracutaias. E os habilíssimos finórios armam suas barracas, seus quiosques, suas tendas das arábias, agora nos sites de vendas virtuais desvirtuosas. As mercadorias são fumaça que some no ar. Os "patos" depositam a grana antes nas contas/correntes dos ativistas, que mudam de endereço. Aliás, nem têm pouso fixo.

Entrei no terceiro milênio e já me avizinho da Terceira Margem do Rio de Guimarães Rosa. Vamos voltar às aldeolas medievais das nossas províncias desprovidas de recursos e onde cada qual vende o seu palmito na Semana Santa, surrupiado dalguma matinha ali dos arredores. O fim é "santo". É para a Torta Capixaba da Sexta-Feira Santa, orgulho da cozinha do Espírito Santo. E o devoto do divino releva as origens e os meios e prioriza os fins. Ficam todos apaziguados. Na informalidade, instala-se a comodidade dos arranjos e do comensalismo. VV 15 de junho de 2008.