LÁ SE FOI MARIA
Dona Maria morreu. Ninguém se conformou. Pessoa boa, não resta dúvida. Mas que adiantou ser boa? Viveu é certo, porém, para que, ninguém sabe. Não queria ir, mas foi. Não queria sofrer, mas sofreu. Não queria viver, mas viveu. Tudo isto é gozado. Pessoa alguma quer, mas tem que aceitar. Por quê?
Lembro bem que um dia ela olhou para mim, com sua maneira gozada de dizer as coisas, e falou: “ apesar de tudo fui feliz”. Vida boa ela teve? Não acredito. Trabalhava, lavava, passava... Mas chorava. Outra coisa, porém, ninguém via, pois ria, cantava, dançava...
Morreu Dona Maria. Ninguém ria nem dizia: Ela era Luzia... Era simplesmente Maria.
E agora?...
Que faremos sem Maria ou Luzia? Nada. Antes era ela alguma coisa? Não. Era simplesmente um ser que algum dia produzira mais um ser ou, talvez, diversos; era quem dava alguma coisa de si a outrem sem nada exigir; era quem muitas vezes passava a noite sem dormir, dando mama a uma criança recém nascida. Perguntar-se-ia; seria dela? Isto é que não!
Não fui prestar minha última homenagem a Maria... De que adiantaria?
Sinto uma revolta dentro de mim... Ela era tão boa... Tão de todos, e morreu... Por que? POR QUE VIVEU. Ela não pediu para viver, mas viveu; ela não pediu para sofrer, e sofreu. Ela pediu para morrer? Não acredito! Pediu sim para não morrer, mas morreu...
Um dia falaram-me: “ as pessoas boas sofrem aqui, como todas, porém, quando morrem, vão para um lugar que os injustos, canalhas, prepotentes, orgulhosos, enfim nunca irão lá."
Pelo que deduzo, nunca mais vou te encontrar Maria ou, talvez, quem sabe... Se esse dia chegar, eu te direi: sabe, eu gostaria de te ver novamente; apertando o seio que um dia, fresco, belo, enérgico e que partira sem aquele viço de outrora, a falar-me: Ysolda, volto para a humanidade sendo sempre aquilo que um dia quis ser: MARIA.
(Dona Maria, era nossa vizinha. Tratava-se de uma senhora linda, cheirosa e adorável que todos amavam por sua alegria de viver)
*Publicada no Jornal Vanguarda de Caruaru, em 24 de setembro de 1973. Segundo meu pai, Alírio Cabral e meu avô, Firmino Cabral Filho, este é o meu melhor trabalho.- Será??