Tapas e Beijos

   Ainda no trabalho. Brigamos. Por que tanta intransigência? Bem que ela poderia colocar-se em seu devido lugar e aceitar o óbvio, afinal de conta eu quem pago as contas. Aliás, ainda tenho que pagar a prestação do nosso apartamento. Esse financiamento da Caixa vai me levar a saúde. 
   
   Meu Deus. Isso é hora pra lembrar das dívidas. Ontem fui ao banco realizar aquele depósito em sua conta corrente. Pra quê mesmo que ela me pediu dinheiro? Ah. Renner. Renner ou Marisa? Sei lá. Boticário. Coisa de mulher pra mulher. 
   
   Ela bem que poderia ter ponderado e antes de me mandar à merda, lembrasse daquele depósito. Duzentão! Puta que pariu. Ah se eu soubesse. Tô mesmo ficando mole. Onde que eu tava com o juízo. Já sei. Foi aquela noitada. Hum... A danada é mesmo um mulherão. Foi de tirar o fôlego. Conseguiu me convencer em realizar o depósito. Também pudera. Que noite maravilhosa aquela. Num teria uma daquela no melhor Bahamas. Ê pensamento... Aquela desgraçada vai me pagar caro pelos maus tratos que me fez. Quando eu chegar em casa a gente se acerta, vou colocar os pingos nos iis e mostrar-lhe quem manda naquela zorra. Isso. Vou lhe mostrar com quantos paus se faz uma canoa. Desaforada. O que ta pensando? Trabalho igual um condenado pra e não ter voz ativa dentro de meu próprio terreiro. Não vai ficar assim. Lá quem canta de galo sou eu. Não mesmo. Toca o telefone.
- Alô.
- Oi bem.
- Que você quer?
- Nada. Só liguei pra saber como você está e a que horas vai chegar.
- Não vê que ainda estou trabalhando. E falando nisso, preciso mesmo trabalhar dobrado, pois se não for assim passamos fome.
- Vai querer algo diferente pro jantar?
- Como por aqui mesmo. E quer saber mais? Tô de saco cheio de você. Sua estupidez. Sua ignorância. Sua doença. Você é doente. Não agüento mais isso.
- Não fale assim comigo. Sou a mãe de seus filhos. Sua mulher. Se quiser uma empregada, pague por isso.
- Empregada? Empregada? Não bastam as contas que pago todo mês. Você não quer mover uma agulha? Ora. Vá se catar.

   Do outro lado da linha, chôro. Poderia ter sido menos duro. Não era pra tanto. Como? Não. Ela faz por merecer. Senão que homem é eu? Exato. Tenho que bater forte. Ela amansa.
- Você não gosta mais de mim. Sei disso. Bem que mamãe falou. Triste da hora que casei contigo. Estúpido. Grosso.

   Bate o telefone. Silêncio. Penso em ligar. Lembro de cada palavra. Ah não. De novo não. Da última vez que dei o braço à torcer arrependi-me amargamente. Dessa vez ela vai ter que pagar o mal que me fez. Cachorra.
Alguns minutos. Triiiimm. Triiiimm. Triiiimm.
- Alô?
- Oi amor. Sabe o que é? ...Soluçando...
- Vamos. Fale logo. Não tenho muito tempo.
- Lembra que fui à Marisa?
- E daí!
- É que comprei um lingerie vermelha. Bem rendadinha e queria te mostrar hoje. Já coloquei as crianças pra dormir.
- A foi amor. Você é mesmo maravilhosa. Sabe. Vou passar no mercado e comprar um vinho bem gostoso pra gente.
- Vem logo tigrão. Morrendo de saudade. Te espero. Beijo.
- Tô apagando as luzes. Chego num instante. Te amo.
   
   Ah essa mulher. É mesmo demais. Sorte minha ter encontrado um anjo assim. Que não faço por ela? Mãe de meus filhos. Mas porquê fiquei até mais tarde no serviço mesmo? Ah brigamos... Hoje ela me paga. É hoje. Ah sim. Hoje ela me paga.

Sidrônio Moraes
Enviado por Sidrônio Moraes em 25/06/2008
Reeditado em 13/04/2012
Código do texto: T1051556
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.