Tributo à namorada ideal

Depois de morar por longo tempo em hotéis, decidi fazer diferente, mudar para uma casa. Feita a imagem na cabeça, não foi difícil encontrar uma como havia idealizado: com um pequeno jardim à frente, um quintal nos fundos com entrada lateral para carro e, naturalmente, uma área coberta para receber os amigos. Uma roda de cantoria, um furdunço, um churrasco até o fim das brasas.

Ao fazer as contas de quanto tudo isso iria me custar, confesso que estive perto de mudar de idéia, ou seja, passar toda a minha vida qualificado como hóspede. Não iria ser muito fácil – não me refiro a morar sozinho, mas no tanto de coisas a fazer e, consequentemente, no número de pessoas que precisaria contratar. E pagar por isso.

Tirando por menos, anotei uma lista básica composta das seguintes pessoas: uma arrumadeira, uma lavadeira, uma copeira, uma passadeira, uma cozinheira, uma governanta e uma jardineira. Pretendendo sofisticar um pouco mais, entrariam no rol, ainda, uma doceira, uma nutricionista com extensão em farmácia e uma secretária ; de quebra, uma mulher que eu pudesse amar e ser amado – tudo isso dentro do que chamei de projeto casa nova (nada a ver com Casanova da história).

Durante mais alguns meses, até que optasse por que decisão tomar, fiquei remoendo a idéia de como colocar um verdadeiro batalhão de mulheres dentro da minha casa nova sem criar problemas de ciúme, de transferência de responsabilidade.

Num primeiro momento, a idéia era, digamos, esnobativa, atraente: eu, morando com onze mulheres numa casa com um pequeno jardim na frente, um quintal, uma área para furdunço e todos os meus amigos morrendo de inveja da bonita coleção. A imagem chegava ao hilário, com um varal com onze calcinhas penduradas, mulheres cantando e sorrindo durante todo o dia nos quatro cantos do projeto casa nova e eu, com um rascunho de sorriso maquiavélico no canto esquerdo da boca, fingindo-me modesto, achando tudo aquilo perfeitamente normal, numa escancarada falsa ingenuidade.

“Como você administra isso, onze mulheres numa semana de sete dias?” , certamente perguntariam alguns chegados. Ou então outras onze mulheres fariam “de um tudo” para serem substitutas, diriam algumas invejosas que passam a vida tentando desbancar as concorrentes (ainda bem que são poucas e em fase de extinção). Absorvido pelo trabalho, aos poucos fui deixando o projeto casa nova de lado até seu quase esquecimento, nos anos seguintes.

Esta semana, vítima do apelo promocional do Dia dos Namorados, parei por instantes para avaliar a união que, muito tempo depois, resultou entre mim e uma amiga que virou namorada que virou amante que virou esposa que virou companheira e que me atura até hoje.

Se cada homem tivesse um momento de reflexão nessa linha de raciocínio, certamente iria se dedicar muito, mas muito mais mesmo, à mulher com quem convive. Como eu, cada um entenderia que o amor verdadeiro de uma mulher-eterna-namorada vale muito mais que onze incautas contratadas eventuais cantando pelos quatro cantos da casa com um pequeno jardim na frente ou pendurando calcinhas no varal durante os sete dias da semana.

Elber Suzano
Enviado por Elber Suzano em 25/06/2008
Código do texto: T1051243
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.