Quando o telefone tocou....

           
...de madrugada eu sabia que meu irmão tinha morrido. Não fui atender, esperei que outra pessoa fosse e depois viesse me contar.Fiquei ali quietinha, ouvindo os sinais de que a casa estava acordando.Como atendendo um chamado, as duas irmãs que vivem longe,haviam chegado. Vagarosamente, após  absorver o primeiro impacto,  nos levantamos todos, silenciosamente, cada qual em uma atividade diferente. As camas arrumadas, os banhos tomados, o cheiro do café se espalhando pela casa toda que aos poucos ia se enchendo com os que estavam em suas próprias casas e chegavam para dividir a dor. Meu irmão, agora o único, saiu com meu sobrinho e meu cunhado, para resolver as coisas práticas.Os que ficamos, cada um cuidando do outro, nos preparamos, o corpo e o espírito, para as dores do dia.Para as horas que ora pareceriam eternas, ora muito curtas para as despedidas. Formando pequenos grupos que se apoiavam uns aos outros, fomos quase todos saindo, rumo ao velório. Um tempo triste e acinzentado como as roupas que vestíamos. Triste e frio como as nossas almas.

               Foi triste e belo o velório de meu irmão. Estávamos todos lá, todos os irmãos, todos os filhos. E quem não foi, porque a dor foi tanta que não deixou, também estava lá. E os que já se foram, também estavam lá, invisíveis aos nossos olhos mas vivos no coração. E os amigos e os parentes, os que vieram de longe e os que vieram de perto, todos ali para a despedida. E ele estava tão lindo em seu leito de morte, tão sereno, livre das dores e das decepções, que meu coração se aquietou. E eu pensei: se ele pudesse ver, como ficaria feliz! Ele, que sempre gostou de gente, não ficou um minuto sozinho. E elas, as mulheres que passaram por sua vida, também estavam lá. Só eu contei sete, mas me disseram que eram muitas mais. Mas ele, se pudesse vê-las, certamente não tiraria os olhos, da primeira, a mãe de quatro de seus filhos e que de certa forma foi também a última, pois cuidou dele como se nunca tivesse havido um tempo de separação.

              Deitado em um leito de flores amarelas e brancas, que amarelo era sua cor preferida, lamentávamos apenas não termos encontrado margaridas, suas flores do coração. Mas logo, como um passe de mágica, elas foram chegando, as margaridas, em dois belos vasos  exuberantes. Não, ele não estava vestido para a morte, estava vestido para uma festa, com seu belo terno azul, ele, que vivendo em seu Recanto, vestia-se sempre a vontade, bermudas largas, camisetas folgadas. Roupas me incomodam dizia sempre, quando uma de nós ou nossa mãe o repreendíamos por vir assim para a cidade.

           Eu o acompanhei o tempo todo. Fiquei por alí, ora chorando, ora rindo, porque a lembrança de suas aventuras nos faziam rir. Não lembramos as tristezas de sua vida, só o que era alegre e era bom porque é só isso que queremos que fique. E a Missa então, como foi bonita, uma Missa especial, só para ele, que nunca perdeu sua fé. E eu, que nem sou católica, participei como se fosse, fazendo uma das leituras, com a voz embargada e os olhos úmidos, mas consegui, embora meus olhos não pudessem ver mais nada, além das letras que se embaralhavam.

         Ah, meu irmão, eu não desisti. Acompanhei até o fim a sua  jornada, deixando-o em companhia de seu irmão e de seu pai. Uma rosa eu lancei em cima de seu caixão, foi meu último presente, meu ate breve.Eu não pretendo esquecê-lo, mas cuidarei de minha dor para que ela não o prenda aqui, para que  possa ir em paz para o lugar onde todos os  sonhos podem ser realizados.