A MULTIPLICAÇÃO DAS LETRAS
Escrevo como quem quer compartilhar. Não quero tudo para mim, quero dividir, te dar uma fatia, multiplicar.
Escrever é um milagre, mas nada de santo tenho. Se faço multiplicar as letras é porque jorra de dentro. Como dizia o poeta Bandeira, eu não as possuo, elas que possuem a mim. Não as escrevo como eu quero, elas são assim e por serem assim, jorram de mim com o vento: tudo vira rima de letra, o menino, o espaço e o tempo.
Se me tirarem as mãos, corro risco de ainda assim expressá-las pelo falar; se me tirarem a boca, elas saltarão pelo olhar e se me tirarem os olhos, você verão, como as letras sabem dançar.
E elas dançam e dançam no papel, na tela. Entram por debaixo das portas, pelas frestas das janelas. Contudo, elas não te invadem, apenas se oferecem. Ler é sempre um convite, nunca algo que se deve. Por isso, cabe a você aceitar ou não, o que se serve; e ainda assim, ao comer do pão e beber do vinho, filtre, use o discernimento, sempre que possível.
Um multiplicador de letras não quer de nada te convencer. Ele apenas escreve sobre como vê o mundo e oferece a você e se o convite for aceito de coração, aliança eterna, quando visões de mundo unem-se no mais belo espetáculo da terra: a união de pensamentos entre escritor e leitor por meio da interpretação.