FILHO DE BÊBADO, "BEBADUM EST".

FILHO DE BÊBADO, "BEBADUM EST".

Cinco e meia da manhã, trôpego, seu Valter Santos entra na Rua Clark, paletó de linho branco no braço, camisa em desalinho, braguilha aberta e na cabeça um chapéu coco que completa a vestimenta chique na época, lá pelos anos sessenta. A voz de seu Valter ecoa entre as árvores e o asfalto cantando: “Tornei-me um ébrio, na bebida busco esquecer aquela ingrata...”. Música de Vicente Celestino. O silencio parecia se esconder para melhor ouvi-lo, sabia que aquele pequeno percurso guardava o melhor do dia porque assim que a porta da casa número 2309 se fechasse, a briga e a discussão acordaria a todos e ele, o silencio, só poderia voltar na madrugada seguinte. Assim se fez. Dona Anita, a esposa do bebucho que já o aguardava no portão inicia o blábláblá. A porta se fecha e o barulho de panelas caindo, vidros quebrados, gritos e choro irrompem no ar avisando aos vizinhos que seu Valter chegara e que estava na hora de ir trabalhar. A cena repetia-se sempre desde o dia que a família Santos alugara o sobrado da antes tranqüila rua do subúrbio.

Foi assim, nesse ambiente que Valtinho cresceu e aos sete anos já garantia: “Nunca vou beber nem bater em mulher, pois odeio quando o pai faz isso”. E era verdade. Seu Walter, um ótimo desenhista industrial, que era visto pelos conhecidos como “uma ótima pessoa quando não está bêbado”, tornava-se extremamente violento sob o efeito do álcool e quase sempre esbolachava dona Anita, que apanhava calada para não assustar as crianças. Valtinho e Clarisse tinham ordens expressas para trancar o quarto quando começasse algum bafafá.

Um dia seu Valter viajou a trabalho e nunca mais apareceu, para alívio dos vizinhos e para a tristeza de dona Anita que teve que se virar para sustentar as crianças.

Aos dezessete anos, Valtinho tomou seu primeiro porre. Porre este, que lhe acompanharia por toda a vida. Casou-se aos vinte e um, separando--se aos trinta e cinco pois sua esposa não aturou a “mardita”.

Rodrigo, seu primeiro filho aos quinze anos chegou carregado pelos colegas da escola em coma alcoólico.

Ontem, aos cinqüenta e dois anos de idade, depois de passar duas semanas em um hospital, morreu Valtinho, de cirrose hepática e no seu velório estão sendo servidos vinho e cerveja. Uma homenagem dos companheiros de manguaça do desencarnado, e de Rodrigo, seu filho, que segue o "belo" exemplo que o pai lhe deixou.