ARABESCOS & FILIGRANAS

O desenho, a estampagem, a ourivesaria, a composição gráfica eram alguns dos ofícios dos artesãos. Em São Paulo havia o famoso Liceu de Artes e Ofícios. Que fim levou? Agora algumas crianças e adolescentes são obrigadas pelos pais ou ir-responsáveis a trabalhar nas carvoarias, nos lixões, nas fábriquetas de blocos, na coleta de entulhos, nos semáforos vendendo drops, nas tulhas de tabaco juntando folhas de fumo e se intoxicando.

As ONGs, algumas que a gente chama de OR-Gangues, têm um modo estranho de ensinar: fazer malabarismo, aulas de rapper, DJ e MC, manuseio de câmeras e filmadoras. Os meninos e meninas não aprendem a lavar o próprio prato em que comem, arrumar a cama, limpar os calçados, lavar as calcinhas ou as cuecas, dar jeito na própria bagunça. Sei não! Não sou diretora de ongues nem de entidades. O ECA, tão endeusado, já completou seus dezoito aninhos. Parecia um avanço à época. Virou um retrocesso. A exploração do trabalho infantil continua e os marginais, os menores infratores, se juntam aos bandidos para cometer delitos, falcatruas, contravenções. E os sabichões adultos tiram o time...

A pixação vira grafitti, arabesco, até obra-de-arte. O artesanato de bijuterias é uma indústria. Produção em massa desvaloriza o artesanato. Um artificialismo, os milhões de penduricalhos dos piercings. O sinistrismo de agulhas hipodérmicas, cachimbos de craque, os escalpelos, as anilinas-mutilações das tatoos, grampos pra pendurar às costas, correntes nas abas do nariz até às orelhas, soco inglês, luvas de fincos, coturnos com ponteiras aguçadas, setas envenenadas, estiletes. Bombas de fabricação caseira, coquetéis molotov, facões, armas de brinquedo nos assaltos. Eis é o alto artesanato de agora.

A pele dos humanos é o mais extenso órgão de proteção e amostragem. Tela nua a ser emplastrada de urucuns e pausbrasis, gizes e carvões, sanguessugas, ventosas, sangrias desatadas, choques térmicos e anafiláticos, tepidez, palidez, morbidez. Edemas e paralisias, parafernálias e telões multicores, escalpelamentos, queimaduras e chanfraduras. A pele é o cartão pessoal. Se o rosto é a nossa cara, a epiderme é o espelho que reflete e capta. Os pruridos, brotoejas, sarnas, alergias, eritemas, exantemas, furúnculos, urticárias, seborréias, descamação. Os panarícios, "nascidas," vergões, larvas-migrans, erisipelas, eczemas, dermatites, herpes simples e zóster, lúpus, pênfigo, leishmaniose, hanseníase, psoríase, melanomas, pelagra. Este listão eu listei de cor e salteado, mas sem cores. E vou entrar no vitiligo, o distúrbio da melanina, o que é, mesmo sem ser especialista, o cartão de rompimento com o social, a ojeriza ao instinto gregário que, dizem, os humanos possuem. Olho no dicionário etimológico a raiz do termo: melo (no) e seus correlatos, em nº de 25. Melo vem do grego melas, melaína, mélan: negro, que tem essa cor, sombrio, funesto, obscuro. Melanina, pigmento escuro que se encontra na pele, nos pêlos, na coróide e na retina. A tentativa de explicar o inexplicável. Mostramos na pele o que queremos esconder. Quase todas as doenças de pele são incuráveis. Umas são síndromes, conjunto de sintomas que encobrem etiologias não detectadas. Outras são psicossomáticas. O emocional impreme sua marca no soma que a canaliza para o locus minoris resistentiae. O ponto mais vulnerável do corpo é o sítio para ancorar o "mal". Na psoríase, há um fator genético e outros no âmbito familiar/social/ambiental. Psora é fenda, falha. A greta no muro emocional imprime-se na epiderme. O recalcado solta lascas. Não há como camuflá-las. Os recalcitrantes sintomas são doenças auto-imunes. O organismo fabrica anticorpos e os elimina na cadeia antígenos x células de defesa. Uma autofagia a nível celular. Ergue-se o muro e deixa-se um explosivo auto-regulado lá dentro. Defesa e ataque. Bastidores, rocas, fusos, teares, linhas. Buris, goivas, formões, chanfradeiras. Tintas e corantes. Mapas, rotas,atlas. Somos os Caçadores Perdidos da Arca Nunca Encontrada. VV 13/06/08.

Berenice Heringer

Berenice Heringer
Enviado por Berenice Heringer em 23/06/2008
Código do texto: T1047189