Coisinhas à toa 2 - A revanche

A natureza dá um show de eficiência e justiça. Pois para tudo na vida, felizmente, há a contrapartida - inclusive para crônicas inúteis como a última que postei. Assim, tentarei cometer outra agora: sobre as coisinhas à toa que nos deixam felizes, ainda que temporariamente.

Apesar daqueles e-mails que recebemos numa freqüência maior que a desejada, com flores, filhotes de bichos e paisagens paradisíacas emoldurando textos delicados cujas palavras (haja paciência!) vão pingando, letra a letra, vagarosamente - como se nada mais tivéssemos a fazer na vida além de ler e-mails -, ainda assim aquelas coisas simples que eles normalmente descrevem, e que percebemos enquanto nossa sensibilidade ainda não foi totalmente embotada, nos alegram. Nem estes e-mails irritantes nos fazem desistir delas: o abano do rabo do cão e seu pulo de contentamento sincero quando chegamos, uma gargalhada de criança, o cheiro do pão assando ou da terra molhada de chuva.

Um telefonema do amigo ou parente querido que não vemos há anos; uma troca casual e significativa de olhares com um belo exemplar do sexo oposto; um banho quente e perfumado antes de dormir; uma nota de dez reais achada no bolso de um casaco que não usamos desde o inverno passado - desde que, obviamente, não tenha havido inflação no período.

(Um parênteses: Para quem acha que dez reais é muito pouco, vale lembrar que estamos falando de coisinhas à toa. Não vou discutir que achar cem seria, literalmente, dez vezes melhor; porém, convenhamos - quem é que vai "esquecer" cem reais no bolso de um casaco?)

Encontrar uma vaga para o carro na rua lotada, exatamente em frente do local aonde vamos. Acordar pela manhã e lembrar que é uma sexta feira. Fazer as malas para a viagem.

O cheiro da roupa limpa, recém passada, que secou sob o sol...

Achar um botão de flor no vaso que floriu o ano passado e que parecia totalmente sem vida. Descobrir que o livro que você anda procurando como um louco está sendo vendido naquela loja próxima pela metade do preço. Chegar em casa depois daquele dia difícil em que tudo deu errado e encontrar uma canja pronta, feita com carinho...

O sapato mais bonito e mais barato da liquidação é o seu número! E depois... tirá-los no final de um dia de muito andar.

Checar sua caixa de mensagens e encontrar os nomes mais desejados. Receber um torpedo inesperado de uma pessoa sempre esperada. Ganhar uma raspadinha, uma rifa, um bilhete novo por causa do final premiado.

No meio de um dia duro, ouvir um “só liguei pra dizer que estou com saudades...”

Conseguir o cabelo perfeito no dia do encontro que tem tudo para ser perfeito; sair dele com o cabelo perfeitamente desarrumado. Comprar um presente sem data especial para reafirmar o sentimento por alguém a quem há muito não damos a devida atenção. Fazer cafuné num ser cansado, receber cafuné de um ser amado. Ou achar na internet uma receita fácil e gostosa que use como ingredientes pinhão frio e pipoca murcha...

São muitas as coisinhas à toa que nos alegram, ou ao menos deveriam nos alegrar. Mas para tanto é preciso, da mesma forma que para as coisas levemente incômodas, que estejamos com o espírito desarmado, naquela zona de ressaca em que nada tenha que ser necessariamente grandioso e especial. Devemos estar atentos aos detalhes, que essas coisinhas boas e à toa passam rápido como um inseto voador bem ao nosso lado – porém sem nem sequer zumbir.