A PARTEIRA DE ANTIGAMENTE
Antigamente, nos sítios e nas cidadezinhas dos sertões, a medicina não chegava, dificultando a assistência à maternidade, o que dava espaço ao papel das parteiras. Ao serem chamadas, se deslocavam de suas residências a pé e quando o percurso era mais longo, iam de cavalo ou até mesmo de jumento.
A parteira, figura feminina de grande beleza, sabedoria, coragem e intuição. Sem nenhuma instrução acadêmica conseguia realizar o mais belo ato humano, que era trazer ao mundo a Vida. Seus conhecimentos eram embasados na prática e na reunião de saberes, passados de forma tradicional de geração para geração. Usava de sua sabedoria inata com dedicação e sem pressa, pois sabia que era cauteloso observar a natureza e deixá-la agir livremente.
Madrinha “Cota” era a parteira da nossa Comunidade no sítio Jenipapeiro. Casada com um tio do meu pai e nossa parente próxima, era querida por toda família. Mulher enérgica, determinada e de um grande coração. Executava sua tarefa sem remuneração, com muita dignidade e amor. Estava ali cumprindo sua missão de cooperadora da Criação divina. Não sou capaz de catalogar quantas crianças vieram ao mundo, em busca do aprendizado e da evolução, pelas suas generosas mãos. A fé cristã, que alimentava sua alma, fazia com que se conectasse com Deus para pedir proteção. Era humilde, dedicada, e passava para a parturiente, confiança, tranquilidade e coragem.
Tudo acontecia de maneira natural, sem nenhuma intervenção cirúrgica. Fervia a água na panela de barro, no fogão à lenha, para a higienização dos panos que iam ser utilizados. A tesoura, devidamente esterilizada, iria dentro de poucas horas cortar a ligação do filho com a mãe – o cordão umbilical. A partir daí o novo ser começaria a sua trajetória, enfrentando os desafios que a própria vida oferecia.
A meninada era afastada do ambiente preparado para o nascimento do novo rebento. Os menores acreditavam na vinda da cegonha, trazendo sua irmãzinha ou irmãozinho, motivo de alegria para o lar. Não compreendíamos o ato da concepção e do nascimento, pois tudo era muito sigiloso naquela época. Sentíamos, mesmo de longe, o cheiro da alfazema, erva que era queimada para harmonizar o ambiente e neutralizar o odor da própria placenta, surgido na hora do ato mais sublime, o nascimento de uma criança. Momento ímpar, que envolvia os valores culturais da mulher, da família e da comunidade.
Reverencio com carinho e gratidão as parteiras dos velhos tempos, mulheres corajosas que lutavam pelo mistério da Vida. E em especial, Madrinha "Cota”, que pelas suas benditas mãos, eu vim ao mundo.
Neneca Barbosa
João Pessoa, 23/08/2007