OUTONO, COMEÇO OU FIM ?

Doze de outubro, Dia da Padroeira, Dia da Criança, sete horas da madrugada, um bem-te-vi me acorda! Notívago, mas de sono leve, decido dar-lhe cinco anúncios de que já me acordou, para depois ir assustá-lo. Conto quinze e nada!... Parece disposto a perturbar!

Vinte! Levando com a paciência explodindo, mas já no meio do quarto, algo me aflige!

Parece um trinado diferente... Dane-se! Já gritou demais! Abro a janela e me deparo com o maior espécime, que já marcara ponto na romãzeira! Move a cabeça com o gemido da dobradiça da janela, mas desconfiado, não alça vôo e trina num novo “Bem-te-vi!”

“Já sei, agora some!”, uno à palavra o gesto de sacudir os braços, em estardalhaço: “Bem-te-vi!”, repassa ele, como a nem ligar para mim. Bato palmas! “Bem-te-vi!”, retruca ele.

Estranho a situação e fico intrigado: “Some!”, grito batendo palmas... “Bem-te-vi!”, cada vez mais lamurioso, percebo. Um medo me gela a coluna: “Será que estás a morrer e soltas teus últimos pios?” Num gesto instintivo, quebro um galho da trepadeira e jogo-lhe, passando perto dele.

“Bem-te-vi!”, flete as pernas e voa para um galho, trinta centímetros à

frente; nova flexão e mais um pulo; e outro; e outro, até se desvencilhar dos galhos da romãzeira e daí, num vôo meio piloto automático, atinge a jabuticabeira e em saltos curtos, foge-me às vistas, insistindo no “Bem-te-vi!” sincopado, até que ouve uma resposta e sai voando, quase trombando no fio telefônico.

Estava ficando cego! Gordo, enorme, demonstrava ser velho, mas não perdera o trinado, quem sabe em busca de uma última companheira, ou quem sabe um guia!...

Sento-me à beira da cama, totalmente desperto e me lembro dos pássaros pretos, cegados com ferro em brasa, até há pouco tempo, para que cantassem melhor. Impedidos de voar, trancafiados, cegos, tinham como única forma de combater o tédio e a tristeza de não

verem um mundo que já viram, aperfeiçoando seu canto, a cada dia mais e mais melodioso!... Darem aos seus donos, uma moda suave, do fundo da alma, para retribuírem à maldade impingida!...

“Outono - Princípio ou fim?”, me perguntava com o coração a mil, apertado e os olhos querendo chorar!... “Princípio ou fim?”, gritei, assustando a mim mesmo!...

Súbito a lágrima seca e uma vontade de rir, cantar, pular, me invade... “Nem princípio, nem fim!” “MEIO!” “MEIO!” “MEIO!”.

Simplesmente meio, pois o princípio está lá! Alhures, no passado! E o fim, só a Ele pertence determinar...

Até que, Ele determine: “BEM-TE-VI!”, seu merdinha de nada!...

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Crônica Premiada em 1º. Lugar no

Concurso de Crônicas do Sebo Dr. Anselmo

Araras (SP)

www.drmarcioconsigo.com