PASSARINHEIROS. Na Gaiola e Fora...

A denúncia do tráfico de animais silvestres e pássaros pela Band mostrou o avesso da cena. Todos os que exibem a frente escondem as costas, ou melhor, as causas. Os achaquês ignoram os paraquês. Pensa-se em lucro fácil, ignorância, descaso, irresponsabilidade. Se ninguém ambicionasse a presa, o troféu, a captura seria inútil, desnecessária. Aí temos de chegar aos fins, os receptadores, adquirentes, os que desejam coletar, colecionar, armazenar para deleite próprio, o que chamamos popularmente de idolatria e fetichismo.

Outra coisa: só homens, menino-homem -macho têm fissura por passarinho. Nunca vi uma mulher carregando gaiola ou armadilha para pegar canário, curió, colerinho, pintassilgo. Só a Ana Martia Braga tem a louromania, a psitacose pelo lourojosé. Mas ela ganha um ótimo cachê para ser perita em papagaiada.

Mas, fala sério! Homem com fixação por passarinho em gaiola e viveiro é um detalhe que os zoólogos já devem ter pontuado. Os analistas de caráter ainda não batizaram esses passariformes e passarinheiros. Há várias cenas de terror com os taxidermistas, os empalhadores de aves, com os amestradores de aves de rapina, os domadores de águias, carcarás, condores. Não sei qual a utilidade. Não está listado no DMS IV, o Manual de Psiquiatria Clínica. Só encontrei lá a zoofilia, no quadro dos transtornos chamados de parafilias. Eu avento a hipótese de que os atos são sintomas de neuroses, ou psicoses. A ponta do iceberg, 5%, só a pontinha à tona. Os caçadores e negociadores de aves são uns oportunistas. Junta-se a fome com a vontade de comer, dois proveitos num saco só e dois aproveitadores comendo num prato só, com duas colheres.

O horror à castração, inerente a todos nós humanos emocionais/sentimentais, leva-nos a uma série de disfarces para encobrir a medofobia. Os homens passeando com as gaiolas à mão, com aquele cuidado como se o bichinho fosse um bebê, mostram na cara e na atitude o infantilismo, a neotenia, a fixação na criancice, o recalque.

O ritual do bicho na gaiola é a mostra pública de que o cara tem o seu "passarinho", está tudo ali à mão e à vista, é um exibicionismo velado e simbólico. Como os beltranos que abrem a capa nas esquinas escuras e mostram o "documento" para algum incauto. O clichê por demais conhecido: está mostrando que não é um castrado. A dúvida e o medo são só dele. Mas ele acha melhor conferir na amostragem...

Nunca vi mulher mostrar passarinho na rua. Agora elas exibem a abundância de predicados, expõem-se ao máximo. Mas é a coisa em si, não o simbólico ou sucedâneo.

Essas complicações são antigas. Cada terra com seu uso. Cada roca com seu fuso. E nosotros cada vez mais confusos e convulsionados.

A mania escondida não envolve só os outros em sua trama. O negócio é defenestrar e querer assistência, cúmplices, público pagante. O que se tornou insuportável no mundo atual é o escancaramento, que mostra o descaramento. É muito cansativo pois invade a privacidade de todos. Há uma barreira que está sendo transposta a todo momento, a miscigetrituração, o mix que Lacan chama de Publixo, como já disse anteriormente, o lixão que sufoca e retira o espaço/tempo/energia da solidão/solitude de cada um.

O meu grilo com os acontecimentos de hoje é o mixagem. É como se todos fossem colocados na betoneira e rebatidos, depois canalizados e solidificados num paredão de concreto. São poucas as chances de resgate, preservação e reintegração do SER.

Vila Velha, 12 de junho de 2008.

Berenice Heringer
Enviado por Berenice Heringer em 21/06/2008
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