MASOQUISMO & VITIMIZAÇÃO - Berenice Bhering

É preciso modéstia para ser sincero. Atrás de todo bonzinho tem uma fera ferida.

Alaor, 50.000 dólares em tatuagens pelo corpo todo. Acorrentado numa teia de renda negra.

Quando é que a frente da verdade é atrás? Com o elixir mágico tudo é possível. Até o impossível. O cara penhorou a imagem com o capeta. Depois foi reclamar no programa da Sônia Abrão. Não arranja emprego, é desprezado, ninguém mais olha para ele, todo mundo horrorizado com sua cara emaranhada de desenhos, grafitis, garatujas, pixações caríssimas.. ORROCOS! Oh! A surpresa vem com estranhos disfarces. Depois de fazer, ou de se submeter, só resta se recurvar junto ao muro das lamentações."Eu morri. Este é o meu castigo. RIXILÊ! E o masoquista se transformou num poney malhado.

O tatuador é o sádico escarificador que fabrica fantoches. O marioneteiro. O ofício em que cada um descobre a sua verdadeira vocação. Ambos. O que inflige e o que é infligido. Mas os burrinhos são muito obtusos. Têm de ser amaciados em muitas sessões de tortura.

E a tapeçaria eterna de Penélope se encomprida e se enlarguece até à quarta dimensão. Éter, nocauteamento, eternização. A manhã amanhece a cada Aurora e o desenho macabro se fixa em cores ensombrecidas e sinistras. Aí o esquizofrenizóide, na ilusão de que a dor aflorasse em beleza, vê só o horror no espelho funesto. Tapeçarias de Aubusson, Constança Colaço, Gobelins e Jacquards. Emaranhados do destino mesclam-se com nuances de caracteres sado-masoquistas e formam-se os nós górdios, cegos, indesatáveis...

Para o perfil do homem ocidental é muito postiça e artificiosa a decisão de tatuar-se. Povos antigos, aborígines, maoris, balineses, tahitianos, tribos primitivas em rituais totêmicos, de lutas e guerras, desenhavam na epiderme os designios do clã, a adesão às crenças e costumes primevos. Orientais, notadamente os nipônicos com seus costumes ancestrais, a obediência milenar às suas respectivas dinastias, marcavam as suas superfícies epidérmicas. Mas a um povo como o americano do norte e do sul, com só 500 anos de "Cultura", é quase inconcebível a cópia do costume sem o respaldo da tradição cultural/histórica/religiosa. É só um modismo que reflete o masoquismo de um caráter doentio. Retrato da submissão sem nenhum fundamento que possa legitimá-la.

O cara consentiu em ser tatuado da cabeça aos pés. Figurou em revistas internacionais exibicionistas de excentricidades. Agora está arrependido e não há como cobrir o estrago dos desenhos nefastos. A notoriedade virou um pesadelo sem fim. Fez tudo para aparecer e agora se esconde e implora por ajuda. Será que o arrependimento é autêntico? Para tentar apagar os desenhos nas faces e pescoço, serão necessárias centenas de sessões de laser.

Uns 540 dias, um ano e meio. Só para as tentativs. Nada é garantido. Quanto mais antigas e escuras, mais indeléveis. O tratamento é caríssimo. A produção do programa vai bancar. É interessante que as decisões desastrosas são tomadas individualmente. Não se consulta ninguém. Aliás, se alguém é contra, aconselha cautela, desistência, o pseudo-libertário masoquista vai em frente, submete-se ao irreparável dano. Um erro que mobiliza equipes especializadas, empresas, famílias, hospitais, clínicas, o universo inteiro. O narcisismo patológico levado às últimas conseqüências. É claro que a Psiquiatria e a Psicanálise têm o perfil delineado desses masoquistas/exibicionistas que, quando se arrependem e já é muito tarde da noite e da vida, não sabem onde esconder a "arte artificiosa e diabólica" dos des-tece-dores dos destinos, os mestres-tatoos que se assemelham aos decepadores de cabeças, os algozes do machado e da guilhotina, o destravador do alçapão embaixo do enforcando, que usavam um capuz preto pra disfarçar o maleficientesadismo. Quanto mais escura a tinta, mais negro o desespero. VV. 12/06/08.

Berenice Heringer
Enviado por Berenice Heringer em 21/06/2008
Código do texto: T1044332