No camburão

Caros leitores e leitoras, amantes dos nobres sentimentos e da linguagem refinada, o texto abaixo lhes provocará repulsão. Pois, descartei floreios, ku com k e fiquei pé: hoje é no popular. Se quiser continuar, benza-se!

Eu sou José da Silva, tenho 32 anos, casado há dez anos, tenho dois filhos – queria uma menina, mas, não pude mais por conta de doenças venéreas que andei contraindo – moro na periferia onde nasci, sou segurança, luto caratê, nunca tive cabeça pra estudo e acabei de receber voz de prisão. Estou indo preso e é disso que vou falar.

Quando eu estava na boa, deitado, relaxando depois de uma bela foda – há dez dias não metia - me chega policiais pra me prender. Prender por quê? Não devo nada a ninguém, não matei, não roubei, não fumo, não cheiro... Cadeia é pra vagabunda. Que abuso é esse? Um monte de policiais dentro do meu quarto enquanto durmo pelado? Me solta, rapaz, tenho alergia a macho. Soltei-me e me vesti enquanto se esclarecia o engano.

Um policial disse que não era engano não. Maria, minha esposa, havia dado queixa a policia, fizera exames que provaram sérias lesões e eu precisa me explicar ao delegado, tal de Colhão de Ferro, famoso no pedaço por fazer bandidão tremer. Puta que pariu, tô fudido, pensei. Olhei para o teto, para os lados, espiei os policiais – na mão eu encarava os quatro tranqüilamente. O problema eram as armas. Se eu pudesse abrir o chão e sumir. Que vergonha!

Gritei por Maria. Não estava, estava escondida em algum lugar com medo de mim. Medo? Há uns quatro anos eu dava-lhe, é verdade, uns bons safanões. Mas porque ela se recusava a dar pra mim. Tinha que ser na marra. Ora, então, eu quero mulher pra quê? Trabalho feito louco, boto o salário na mão dela e ela se recusa a meter comigo? Quatro, cinco dias ainda agüento. Passou disso, se não for na boa, vai na porrada mesmo.

Depois que o cinema do largo treze fechou, começou esse sufoco. Antes, eu pagava cinco contos, entrava, sentava; ao lado sentava-se um viado e me chupava o pau; eu gozava uma, duas vezes e ia cuida da vida. Então podia esperar a boa vontade de Maria. Agora não tem mais isso. A aids matou todos os viados e o cinema baixou as portas.

Só tem puta e puta cobra. Se pago à puta, falta comida em casa. Bater punheta, eu não sei... E olha que já tentei aprender, viu... O jeito é dar uns cocorotes na Maria e trocar o óleo. Qual o homem que agüenta dez dias sem sexo?

Agora estou aqui nesse vexame. O jeito é encarar o Colhão de Ferro. Se ele me der uns tabefes e me soltar, salvo o emprego. Se não, a chapa vai esquentar de vez: perco o emprego, a família e vou ter que me socar na casa da minha mãe até conseguir me levantar de novo...

Passaram-me as algemas, jogaram-me no camburão e fincaram carreira. Puta merda, vou tomar no cu...

Antonio Pinto Nogueira Acioly
Enviado por Antonio Pinto Nogueira Acioly em 20/06/2008
Reeditado em 21/06/2008
Código do texto: T1043027
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