O que não Cura pode virar Loucura... Berenice Heringer

Vila Velha, 18 de junho de 2008.

O láudano, uma famosa panacéia antiga, podia trazer a ilusão de cura, mas não curava. Poucos são os que têm condições de lidar com a matéria bruta da Realidade.

Quando Jacques Lacan, (1901-1981) o famoso psiquiatra, psicanalista e escritor francês, começou a esmiúçar a obra de Freud avançou tanto que os estudiosos tiveram de ampliar muito seus campos de busca, pesquisa e experimentação para tentar abarcar o universo do pensamento desse seguidor de SF.

Primeiro, ele se debruçou sobre a Linguística e complicou bastante. Depois a Matemática, que nos remete aos pré-socráticos, como Pitágoras de Samos e Zénon de Eléia. A seguir, a Poética, a Filosofia e a Metafísica. E também a Antropologia, a Arte e a Ciência.

Aí ele criou a célebre sigla RSI, Real, Simbólico e Imaginário, as três mega-instâncias que circunscrevem o psiquismo humano e que Freud englobara em ID, Ego e Superego.

O monte Everest em SF é o Inconsciente, que é também a profundeza abissal e a largueza infinitesimal. Se formos comparar o Real de Lacan com o espaço sólido da geometria euclidiana, ficamos presos no quadrilátero da nossa própria limitação. No acréscimo sobra sempre um resto. O quebra-cabeça é sempre faltante ou sobrante, porque a perfeição dos encaixes é só para o Geômetra Magno.

Falamos às vezes uma Linguisteria, não é possível transformar e traduzir o sentir em dizer. Quando alguém quer ser apreciado, está pedindo que o Outro lhe coleque preço. O saber vale quanto custa. Quando o circuito é curto há muita largueza para as dubiedades, desacertos, derrotas.

E o imbatível Jacques Lacan me autoriza a dizer que "o escrito não é para ser compreendido, aquilo que se publica é um publixo." Ainda afirmou: não sou para ser lido, pois sou ilegível. Mas não inintelegível, já que as significâncias estão nas entrelinhas. É o não-dito que deve ser captado e decifrado. O que ele denomina Mais...Ainda. É como na Poesia: o acréscimo faz ressaltar a pendência. Quando se remove a tampa fica a Incógnita.

Newton afirmou: eu não suponho nada. JL disse que o Real é o mistério do corpo falante, é o mistério do Inconsciente. Pois o corpo tem sua linguagem. Não existe o sujeito conhecedor. Estamos sempre tateando, pisando em ovos, com medo do escuro e dos laços corredios. O Inconsciente é o Real que nada revela. A Morte é a in-Consciência nunca decifrada.

Então o que nos sobra? O Imaginário e o Simbólico. A Simbologia é o reino da Metáfora, bem como o sonho, onde esta instância, mais a Metonímia, reinam soberanas. No enredo onírico trabalhamos essencialmente com estas figuras da Linguística, a linguagem figurada: a metáfora e a metonímia. Em Psicanálise elas representam a incógnita das mensagens através da condensação e do deslocamento das imagens. A metáfora é uma comparação por analogia, é um agrupamento de significados. A metonímia pode tomar o continente pelo conteúdo e vice versa, a parte pelo todo. As velas podem ser um veleiro completo...

Os não-ditos revelam-se inauditamente, no extra-lógico, onde adentramos por meio da analogia e da intuição. A imagem cria o Signo. O espelho me diz o que sou. O imaginário vai além, extrapola fronteiras e me dá um retrato do Quem sou? O não-saber é a instância do reflexo. Quando o Real dá acesso ao Simbólico estamos num beco-sem-saída. Precisamos da imagem para estabelecer a comparação.

Kant afirmou que toda a Verdade é o que não se pode dizer.

O Ser é essencialmente um Solitário, pois a substância evanesce frente ao Mistério.

Vila Velha, 12 de junho de 2008.