Não se Recupera o Tempo Perdido... Berenice Heringer

Aliás, segundo a Teoria da Relatividade, o Tempo não existe, nem tampouco o Espaço.

A personagem avoadinha e destrambelhada da atriz Iris Valverde falou algo deveras interessante: "há o passado-mais-que-perfeito, o passado imperfeito e o passado perfeito."

Ela se referia à história pregressa de cada um, a folha-corrida que pode fazer o cara correr. A vivência pessoal vira experiência e marco referencial. Como a garota perdeu o único neurônio que tinha, disparando ladeira abaixo numa garupa de bicicleta, caiu e se estatelou, junto com uma caixa de coxinhas fritas, ela não fala de verbos, tempos verbais, os famosos presentes, pretéritos e futuros, perdidos lá atrás, descartados, ou projetados no Além.

Mas tem gente que anda com seu arquivo-morto a tiracolo. A qualquer momento pega uma ficha e reconstitui, ipis litteris, os sentimentos lá de trás: abandonos, erros, mágoas, ressentimentos, injustiças, humilhações. Isto é o que o Gasparetto chama de coitadismo, a vocação para Jó, o eloqüente sofredor-mor, o mais injuriado das Escrituras. A água que passa debaixo da ponte nunca é a mesma. Entretanto, Jó não confessa só o sofrimento, mas há em sua fala um questionamento sobre justiça/injustiça, mérito/demérito, bondade/maldade, recompensa, tentação, onipotência, ilusão. Sempre me sobrevém aquilo que eu mais temo. ou o que mais amo me será tirado. Isto é superstição. O temor não atrai o mal, necessariamente. A martirização não santifica. O auto-açoitamento faz sangrar, mas não canoniza.

Há uma luta diária com o ilusionismo de temer ou desejar que o bem/mal se concretizem, como se o ser humano fosse dotado de superpoderes. Há diferença entre fantasia e ilusão. A fantasia pode ser como o rufar das asas de um pássaro que desperta o desejo de ter asas, voar, planar. Livre como um pássaro. um pássaro ferido, um passáro pintado.

Fantasiar é imaginar. Somos seres imaginativos, formamos o retrato da imagem pela criação.

Os cientistas teóricos alçam vôos longínquos e podem trazer uma partícula do Cosmo para ser a incógnita de um novo teorema, que será o Xis da Equação armada, decifrada. Enfim, o CQD. Então registram sua descoberta no quadro da memória, elaboram, reelaboram e de repente, o insight, o fiat lux, o Eureka!

No entanto, a ilusão pode ser uma camisa-de-força. A miragem no deserto, o vislumbre do oásis, talvez façam o sedento surtar de vez, esquizofrenizar freneticamente.

"Só os fantasmas se embrulham no passado". Podemos ser aquele que escolhemos ser hoje. Isto não tem nada a ver com a idiotia de superpoderes, da magia do pensamento positivo. É retirar as correntes do passado, livrar-se de algemas auto-colocadas, mas pôr as hiper-expectativas de molho para que arrefeçam, tomem as devidas proporções dentro das possibilidades, recursos disponíveis, probabilidades.

A gente pode ter uma marca registrada indelével num dos lados do triângulo do DNA, que é o "destino", as características herdadas. Mas, segundo o espírito lúcido de Einstein: a pesquisa procede por momentos distintos e prolongados: intuição, cegueira, exaltação e febre. Depois vem o auto-conhecimento.

"Você, que é jovem, por que não produz alguma coisa?"(Arnaud, filosófo e teólogo francês, 1655, dirigindo-se a Pascal). Foi assim, desafiado e instigado, que o gênio do jovem Blaise vestiu o Manto do Anonimato e empreendeu o combate mortal com um inimigo pérfido, escrevendo Dezoito Cartas em quinze meses. "A grandeza dos homens inteligentes é invisível para reis, ricos, governantes e todos os poderosos do mundo." BP

"Teria sido inútil para Arquimedes ter-se apresentado como príncipe em seus livros de Geometria, embora ele fosse um Príncipe."(Blaise Pascal - l9/junho/1623-19/agosto/1662