TIO CÂNDIDO

Um dos filhos mais velhos do primeiro casamento de Mariano, e o terceiro de uma geração de doze filhos, era também o mais abastado. Casou com Luíza de Sousa Rego, Luizinha de Candinho, viúva pobre e sem filhos, que o ajudou muito na consolidação do patrimônio familiar. Construiu sua casa no espaço entre a nossa residência e a morada de meu avô, a uma distância não superior a 200m, de tal modo que se ouvia o badalar de seu relógio de parede a pingar as horas, pontilhando o tempo, no silêncio e quietude da vida campestre. Algumas vezes, a depender do sentido do vento, ouviam-se também, a essa mesma distância, músicas tocadas em seu rádio.

A despensa bastante farta não lhe deixava passar privações, armazenava quartas e mais quartas de farinha no sótão, que só eram vendidas depois de nova safra. Guardava grande quantidade de feijão, tratado com veneno contra pragas em reservatórios de zinco que ele mesmo mandava fazer.

Pelo que se ouvia comentar, a primeira geladeira a querosene que entrou no Povoado Santo Antônio, bem como o primeiro rádio a pilha, foram de tio Cândido. As lembranças de suas peripécias causam saudade, não só a mim, sua sobrinha, mas a todos que com ele conviveram.

Certa vez, .sentado na calçada do armazém Flor-de-lis, do qual era sócio, passa seu amigo João Fogoíó.

- Candinho, você ficou bom?

- Nunca fui ruim!

Sem graça, João o indaga novamente:

- Essa sandália ainda é aquela?

- Não, é esta mesma!

- Seu Candim- diz um freguês - , eu tô quereno comprá uns pano pá pagá na safra quivem!

- Não estou mais vendendo fiado!

- Mais o Sinhô me cuim-esse.

- Conheço, é por isso mesmo que não vendo!

Outro chega com a mesma intenção e o cumprimenta:

- Como está, seu Candim?

- Você não está vendo que estou sentado?

- Sim, mais tô preguntano como tá o cumérce!

- Ah, esse vai mal, quero receber o fiado e não recebo!

- Seu Candim, se o Senhor me der um revólver trinta e oito e dez pur cento de comissão, eu recebo tudo pru Sinhô!

- Negócio fechado, mas primeiro você vira pra você mesmo, aponta o revólver e diz: “Paga o que deve a seu Candim, cabra safado!”

Conhecendo as tiradas de Candinho, quem conversasse com ele precisava ter o cuidado para não sair glosado. Muitos queriam pegá-lo numa piada, até que um dia, estando papai hospitalizado, no hospital de Dr. Oscar; tio Cândido e tia Luizinha foram visitá-lo. Visita parente aqui, visita conhecido ali... Nesse vaivém se apartaram um do outro. Em um dos muitos corredores, Candim encontra Adalberto e pergunta:

- Você viu Luizinha por aí?

- Vi, tio! As paredes estão cheias de luizinha.

Os dois ainda estavam a conversar quando chega a tia Luizinha e, vendo um enorme crucifixo no pescoço do sobrinho, pergunta:

- É bento?

- Não, tia! É Jesus Cristo.

LIMA,Adalberto;SOUSA,Neomísia. Saga dos Marianos