MEUS IRMÃOS, MEUS AMIGOS
Abraão queixava-se ao senhor por não ter nenhum herdeiro direto; o Senhor, conduzindo-o para fora, disse: “Levanta os olhos para os céus e conta as estrelas, se és capaz... Pois bem, ajuntou Ele, assim será a tua descendência” (Gen.15,5).
Nossos pais tiveram dezesseis filhos, dos quais quatorze são vivos, graças a Deus. Papai, embora nascido e criado no campo, preocupava-se com a educação escolar dos filhos, mas ele mesmo nunca pôde estudar. Precisava trabalhar. “Não posso alisar banco de escola”. Durante toda sua vida só teve vinte e dois dias de aula. O professor fora seu padrasto que mais tarde tornou-se também sogro. Ainda assim, em apenas poucos dias aprendeu a ler, escrever e fazer as quatro operações de conta.
Logo que se casou, fez questão de comprar um Dicionário e uma Bíblia. Conhecia das Escrituras Sagradas e gostava de repetir: “Deus disse: crescei-vos e multiplicai e povoai a terra” (Gen. 1,28).
Austero no modo de ser e agir, ou mesmo carrancudo, por muitas vezes provou que amava os filhos, deu a vida por eles, trabalhando exaustivamente para criar uma numerosa família.
Habituado em lidar com transações bancárias, pagar duplicatas, seguros, etc., tinha profunda admiração pela profissão de bancário, chegando a profetizar que o filho caçula seria um deles.
- Meu filho vai ser doutor bancário.
Isso saiu da sua boca na hora em que os anjos repetiam a palavra amém, pois Adalberto foi aprovado no primeiro concurso de banco que fez.
Brincava com Vilzedir, a filha, a mais nova, tratando-a de minha “doutorinha”, e de fato foi ela a primeira da casa a alcançar um curso superior, vindo a ser seguida depois por outros irmãos que também adentraram os umbrais das mais diversas universidades, na condição de acadêmicos.
A mamãe chamava Rosita, desde pequena, de turista e entre os nossos, ela é a que mais viaja. Não perde nem para Iracema, uma andarilha nas viagens a passeio. Mas foi Socorro a mais mimada; talvez se fizesse de muito dependente para isso. Presente em toda nossa história familiar, Diassis tem seus atributos reconhecidos como de um patriarca por ter sido o realizador do plano de reunir a família sob um mesmo teto e sob sua custódia, oferecendo aos irmãos mais novos a oportunidade de estudar. Não há nenhum dos irmãos, que não lhe seja grato por um ou outro motivo ou gestos de solidariedade. Casou-se com 43 anos e revelava grande preocupação em deixar descendência: “Acho que sou igual tio Cândido, vou morrer sem deixar uma posteridade.” Não foi bem assim, Deus preparara seu coração de pai e lhe concedera a graça de receber duas vezes a visita de Dona Cegonha, nasceram-lhe Uiara e Náiade – preciosas pérolas em sua vida.
Socorro recebeu o dom de servir – nome tão apropriado lhe fora dado no batismo: Maria do Socorro, de fato, um pronto-socorro dos doentes e necessitados. Suas mãos generosas sempre estão abertas para oferecer. Talvez por isso tenha sido agraciada com tantas bênçãos. Cuidou dos irmãos como uma segunda mãe e com isso, cativou seus corações.
Adalberto ainda jovem, certa vez, passando pela casa dela, sentiu-se à vontade para pedir-lhe um cafezinho.
- Bom-dia!
- Bom-dia!
- Tem um cafezinho pronto aí?
- Tem, mas como primeiro coma uma melancia...
- Não, muito obrigado! Aceito somente um cafezinho.
- Então coma um bolo!
- Não! Quero só café.
- E coalhada, não quer um copo de coalhada?
- Não, só quero um café para fazer boca de pito
- Pois coma antes, pelo menos uma goiaba!
- Eu já disse que quero café!...Quero café!...Quero café! Ou você me dá o café ou vou embora agora!
- Pois tome meu filho, tome...
Na “escola” da mãe, adquiriu com o passar do tempo duas grandes virtudes: o dom da partilha e a disponibilidade de serviço em favor do próximo, principalmente o mais próximo. Jovem, bonita e atraente, casou-se com Joaquim Batista de Carvalho, comerciário e comerciante, tornou-se depois o primeiro tabelião de Santo Antônio de Lisboa. Na época em que Joaquim foi pedir Socorro em casamento – uma tradição respeitosa que está saindo de moda -, papai muito sério, contudo, às vezes brincalhão, já era surdo e se fez de mais surdo ainda.
- Seu Antônio, vim pedir sua filha Socorro em casamento.
- Fale mais alto, não escutei.
Joaquim repetiu o pedido formal várias vezes até ouvir a resposta:
- Sim, concordo, concedo.
Depois comentou com mamãe: “Eu escutei desde a primeira vez”. E deu uma gaitada – a menina Corrinha vai sair do caritó!
Capa espécie de flor tem cores e perfumes distintos, Alzira trás consigo um comportamento, de certa forma, bizarro. No cair da tarde reunimo-nos na calçada, mantendo-se desse modo tradição da família. Por conveniência, ela conversa pouco e puxa seus roncos numa cadeira de espaguete.
- Alzira, acorde! Já vamos recolher-nos. Você dormiu o tempo todo...
-É, essa cadeira é dormideira...
Lá em casa, cada filha mulher cuidava de um dos irmãos mais novos e coube a Iracema olhar Adalberto( Bertim). As crianças se apegavam tanto, que andavam, literalmente, grudados no rabo da saia da irmã.
Mamãe dizia que um filho homem dá trabalha por dez mulheres. Ela tinha autoridade para falar do assunto, pois teve 11 mulheres e 3 homens. Bertim não fugia à regra e aos conceitos que sua mãe tinha a respeito dos “cabra machos” e não raras vezes, empacava voltando do rio com Iracema. “Espéi pú eu Iá, espéi pú eu Iá”. Iracema esperava, ele empacava ...Iracema andava, ele chorava atrás com seu “espéi pú Iá” e assim, chegavam em casa, com grande atraso na jornada de apenas 300 metros até o Riachão.
Os irmãos me chamam de matriarca, mas qualquer um deles é capaz de partilhar o pão e a mesma sombra entre si.Edilce, por exemplo, procura proteger a família debaixo de suas asas. Não só por morar na capital e colocar a residência à disposição dos parentes, mas por ser presença marcante nos momentos de alegria e tristeza pelos quais passamos. Ainda solteira, adquiriu um apartamento no Bairro João Emílio Falcão, em Teresina, casou-se e mudou para o Morado do Sol, mas o AP., jamais foi vendido ou alugado. Lá moraram alguns dos sobrinhos, desde que cursavam o segundo grau até saírem com o diploma na mão, sem nada pagar à dona. Cada irmão tem uma chave, tal qual ocorre com o apartamento de Diassis em Fortaleza. Teresina contudo, por ser mais próxima de Picos é preferida pelos “Benés” quando procuram por recursos médicos, por isso, é comum deixarem dependurados nos armadores suas sacolas com receitas médicas e chapas .
Dentre as mulheres, desde menina, Fátima foi das mais travessas e como a maioria dos “Benés” muito engraçada no agir e falar.
- Olha, meninas! Eu joguei umas chapas velhas tudo fora. Lá no apartamento de Edilce, não tinha mais lugar para se armar uma rede...
-Você é doida? Jogou fora até minhas receitas – replica uma delas.
-Joguei! Pra que serve Raio-X ou uma receita depois de dez anos?
Falando de meus irmãos, não segui a mesma ordem cronológica de suas idades, mesmo porque, alguns a escondem, depois que completaram os quarenta. A mais nova já fez 50 e o sobrinho mais velho 48, daí pode-se perceber que não somos mais crianças. Graças a Deus 14 irmãos vivos e saudáveis, uma ou outra “macaquice” proveniente do avanço dos anos, pode até surgir, mas nada que não seja administrável.Esses dias, Bertim (56) queixava de uma dor na perna que o incomodava dormir. Diassis deu-lhe um bom consolo:
- Eu só nunca dormi na posição de morcego: começo na rede, depois estou nos punhos, passo para a cama, depois volto para a rede e assim, o dia amanhece. Igual galinha branca, vou cedo para o poleiro, também cedo levanto e estou pronto para o trabalho.
Alaíde interferiu. Bateu os dedos na barriga que soou feito um bombo.
- Pois Olha, Bertim! Escute a fanfarra do Colégio Estadual “Marcos Parente” desfilando no Sete de Setembro! Já fiz tratamento para combater h.pilori, enxaqueca e minha barriga é um bombo. Você se queixa de uma dorzinha besta dessa na perna?
- Besta? Tirei meio litro de óleo lubrificante do joelho e ainda assim, continua doendo!
LIMA,Adalberto; SOUSA,Neomísia.Saga dos Marianos