MINHA BÔXA TÁ XUJA
Cada ser humano sofre ou chateia-se por motivos diversos. Creio que, normalmente, o grau de sofrimento está diretamente atrelado a perdas ou a vergonhas, enquanto o de chateação está ligado a insatisfações.
Talvez as coisas não sejam exatamente assim, pois eu me chateio sem estar insatisfeita. Um exemplo é quando presencio a insensibilidade daqueles que diante do sofrimento de pessoas que perderam seus entes queridos, em vez de calarem-se e apenas abraçá-los, abrem a bocarra (você se lembra das aulas sobre aumentativos?) e querem saber tintim por tintim, nos mínimos detalhes, perguntando:“ Como foi?”, “O que aconteceu?”, “O que mais?”, “Onde foram os ferimentos?”...
Nessas horas fico pensando que esses insensíveis, quando eram crianças, não se divertiram arrancando as casquinhas de suas perebas, pelo simples prazer de vê-las sangrar. Daí, se não fizeram isso quando petizes, querem fazê-lo com as feridas alheias, preferencialmente em velórios.
Outra coisa que me chateia é a hipocrisia dos que se sentam sobre seus rabos, metem o pau na vida dos outros, mas se esses outros morrerem viram santos na hora.
Os ordinários que não abrem a boca para reconhecer méritos ou para elogiar alguém enquanto ele está vivo, mas o faz quando o sujeito morreu, também conseguem me irritar profundamente.
O que eu sou ou como reajo tem a ver com minha história: já perdi meus avós, e meus filhos também não têm nenhum dos seus. Para quem não é muito burro, as perdas de entes queridos deixam cicatrizes e a exata noção da efemeridade da vida. Então, não tem sentido ser esnobe, tirado a gostosão, puritano, covarde ou um grande f.d.p. com ninguém. O tempo desperdiçado com essas canalhices seria melhor aproveitado, caso se optasse pelo cultivo dos laços familiares e pelas falas que acrescentassem algo de bom às vidas dos que nos rodeiam.
Exatamente hoje (terça-feira), eu estou vivendo a perda de um bom amigo e, também, assisti a uma cena do sentimento que acomete crianças quando elas estão insatisfeitas.
Durante o café da manhã, li em A Gazeta que meu amigo Luiz Cláudio dos Santos Cardoso- uma das pessoas mais entendidas em petróleo e gás no Espírito Santo-, 35 anos, faleceu num acidente na BR101, quando retornava do Rio de Janeiro, onde fora passar os feriados da Páscoa com seus familiares. Falamo-nos por telefone há uma semana e sua gargalhada diante de minhas brincadeiras ainda ressoa em meus ouvidos.
Ainda sentindo fortemente a dor da notícia, fui abordada no pátio do Sistema de Ensino UNILINHARES® por uma menininha, de uns cinco ou seis anos, com um rostinho de porcelana, em que se destacavam olhos muito azuis marejados, tudo emoldurado por cabelos bem louros. Ela abraçou-se à minha perna e balbuciou algo. Confusa, tentando entender o que estava acontecendo (já que não trabalho na Educação Infantil e não conhecia a garotinha), abaixei-me para atendê-la e com muito esforço ouvi-a dizer: MINHA BÔXA TÁ XUJA!
Acompanhei-a até a mesa da área de convivência que ela escolhera para lanchar e detectei que sua bolsinha térmica realmente estava com o interior melado pelo bolo, talvez. Consolei-a afagando seus cabelos e prometi-lhe que iria limpar sua “merendeira”.
Com algum esforço consegui um pano na cantina, fiz o que prometi e ao retornar, achei-a sendo outra vez consolada, dessa vez pelo nosso maestro Adimar Zardo. Suas novas lágrimas sumiram e deram lugar a um lindo sorriso de alvos dentes de leite, tão logo ela viu que eu não sumira com sua “bôxinha”.
Isso mesmo, princesinha, siga o seu pequeno coração e continue valorizando suas coisas e pessoas queridas! Infelizmente, minha linda, às vezes, a vida “suja, rasga ou some” com nossas “bolsinhas”. E como, normalmente, já não temos a sua inocência, já nem ousamos externar nosso choro. Contaminados pelo “a vida é mesmo assim!”, vamos, apenas, nos transformando em “malas” e esperando o dia em que também “sumiremos”.