DOÇAMAS - Berenice Heringer

A nossa tradição doceira é portuguesa, com certeza. Convencional e conventual de carmelitas descalças, clarissas franciscanas, sacramentinas. As freiras adquiriam diabetes melitus de tanto fazer ovos de aveiro, pastéis de santa clara, toucinho do céu. Claro que elas provavam e comiam bastante. E enviavam para o prior da abadia, o monsenhor do mosteiro, o padre-diretor do seminário. E o que faziam com as claras dos ovos, quando só utilizavam as gemas para as guloseimas? Dizem que as abadessas e prioresas usavam-nas como goma para endurecer as golas, punhos e toucas dos hábitos. Também para engomar as toalhas dos altares e das mesas.Tirando o folclore, o resto é lenda.

As receitas antigas das casasgrandes eram elaboradas com duas dúzias de ovos, trinta gemas, um litro de claras. Haja galinha carijó para tanta proeza e produção. O brasileiro é fanático por doçarias, desde os melados, puxa-puxas e rapaduras, até as cocadas, pés-de-moleque, quindins. Marmeladas e goiabadas. As variadas compotas de frutas.

Na década de 70 começou o desmonte do nosso engenho-de-açúcar emocional porque os derivados da cana passaram a ser os vilões da vez. Já falei nisso noutra parte. Agora são os edulcorantes químicos que estão no paredón. E a população está faminta, desnutrida e obesa. Como é que pode? Eu não tenho o tal I pod e jogo esta inadequação da alimentação do povão para os endócrinos e os nutrólogos.

Mas a culpa é da gulodice mesmo e da indústria de alimentos que facilitou a vida dos preguiçosos e todos pensam que é só adquirir e desfrutar. E engordar. Até o mais novo sabonete Lux é de creme de morangos com chantilly. É para ensaboar ou comer?

No livro Mulheres de uma autora americana, ela fala nas eternas fazedoras de dietas, tipo Nancy Reagan, as obsessivas. Elas passam tanta fome que, em dado episódio, na casa do amante da vez, vão ao armarinho do banheiro comer pasta dental, depois que já devoraram o baton que tinham levado na bolsona. Isto na famigerada década de setenta. Agora com o dentifrício sorriso com Acerola, será que o creme dental é mais nutritivo? Vitamina C para todos. O Vitasay é do Pelé, aqui, na Assíria e na Cisjordânia.

Meu filho mais novo (o segundo e último ovo que o urubu botou) nunca havia ingerido açúcar até aos três anos de idade. Não aceitava nada adoçado. Não foi imposição da minha parte. Eu como pouquíssimo doce e agora inventei algumas receitas interessantes...A comida nossa de cada dia é nossa muleta emocional para poder sustentar nossa burrice cotidiana. Respaldada pela ilusão, um algodão-doce em cores-pastéis azul, branco e rosa.

A Nestlé, com seus mais de 80 anos de monopólio brasileiral-global em alimentos industrializados açucarados, comprou a Fábrica Garoto aqui de Vila Velha, o maior xodó dos capixabas. Era, mas continua sendo, apesar de ter mudado de donos. Uma senhora no supermercado ainda não sabia que os bombons e chocolates Garoto, com as deliciosas receitas tradicionais caseiras/familiares que Herr Helmut Meyerfreund trouxe da Alemanha na década de 30 pertencem, agora, à mega suiça Nestlé. A marca ficou, mas a qualidade caiu...

Cheirinho de café, aroma de bolo e pão caseiro assando, armadilhas sentimentais que enredam até o mais cético e incrédulo durão. Doces, doçamas, doçarias, docilidades, dulcíssimas idades. A Fantástica Fábrica de Chocolates, o filme, uma enciclopédia sobre comportamentos, desvios, fixações e taras dos humanos. Um tratado de Filosofia, Ética, Psicanálise. A miscelânea das vaidades, o rio das cobiças achocolatadas.

Depois dessas amaras dúvidas, vamos a uma Farofa Doce. Sem açúcar. Basta misturar bem e não vai ao fogo. Use quantidades iguais de coco ralado seco tostado, castanha de caju granulada, (Iracema) e leite em pó desnatado ou semi. Guardar em pote fechado e usar com frutas, iogurte e gelatina Vila Velha, 08-06-08.

Berenice Heringer
Enviado por Berenice Heringer em 19/06/2008
Código do texto: T1041889