Busca-pés traquinas
1. Uma coisa que ainda hoje me atormenta e me deixa mal-humorado nas noites de São João - acreditem - é o foguetório. E não é d'agora.
2. Eu menino, para não ficar totalmente à margem da foguetada, divertia-me com os sussurrantes e inofensivos fogos-de-vista.
3. No são-joão, eu gostava mesmo era de ver balões no céu e de saltar as crepitantes fogueiras que meu pai acendia no terreiro de nossa casa.
4. E, claro, das guloseimas são-joaninas preparadas, com muito amor, por minha mãe: pamonha, milho cozido e assado, bolo, manzape e canjica com um pouco de canela. Licor, só o de jenipapo.
5. Nunca participava do chamado "divertimento das sortes". Temia que o resultado, ao invés de me encher de entusiasmo e otimismo, me levasse à depressão.
6. O que eu menos queria era que uma dessas "mentirinhas joaninas" chafurdasse os sonhos, nobres e saudáveis, de um mancebo alegre, feliz e de olho no futuro...
7. Rachel de Queiroz conta, que ao participar de uma "sorte de são-joão", ouviu que morreria aos quinze anos de idade. E completa a dileta escritora: "... me preparei para esse fim prematuro; fiz até uns versos de despedida. Uma vez que não tinha amores, cuidei em morrer como uma virgem cristã, de capela de flores e vestido branco." Rachelzinha morreu com mais de 90 anos; e cronicou até o fim da vida!
8. Mas eu falava do foguetório que, ainda hoje, azucrina minhas oiças nas noites de São João. Em outra crônica, Rachel de Queiroz recorda que uma mãe-de-santo lhe dissera não ser adepta de foguetórios uma vez que Iemanjá também não o era. "O barulho e o excesso de relâmpagos" desagradavam ao querido Orixá.
9. Oh! Mas não foi o que eu vi na Bahia, onde moro há mais de cinquent'anos: o são-joão da Bahia é tão ruidoso e flamejante como o são-joão de qualquer outro Estado do nordeste.
10. No interior da Bahia tem uma tal de "guerra de espadas" que, todos os anos, manda dezenas de "guerreiros" pros hospitais, com queimaduras de todos os graus.
11. Mas nada é mais incômodo e surpreendente do que o corruscante e atrevido busca-pé. Ele é veloz; traiçoeiro; e ousado.
12. Certa ocasião - nesse tempo as mulheres ainda vestiam saias -, vi um busca-pé traquina subir pelas torneadas pernas de uma manceba; e só lhe não atingiu a calcinha porque sua anágua (anágua? o que é isso?) impediu que o ímpetuoso e irreverente mini-foguete fosse mais além...
13. Em outra ocasião, numa fria noite de São João, eu caminhava eu pelas ruas do meu bairro, a Pituba - pensando em não sei o quê -, quando um busca-pé acertou-me os calcanhares. Assustado, não consegui descobrir de onde ele viera.
14. Nem por isso deixei de mandar muita gente para a p.q.p. No que fui efusivamente aplaudido por quem presenciou minha aflição e justa indignação.
15. A caminho de casa, lembrei-me que, em agosto de 1837, Lopes Gama, o temido redator-chefe de O Carapuceiro, escrevera uma crônica criticando o busca-pé e chamando-o de "fogo solto e violento". Vejam, que sua má fama vem de muito longe. Bom são-joão!
1. Uma coisa que ainda hoje me atormenta e me deixa mal-humorado nas noites de São João - acreditem - é o foguetório. E não é d'agora.
2. Eu menino, para não ficar totalmente à margem da foguetada, divertia-me com os sussurrantes e inofensivos fogos-de-vista.
3. No são-joão, eu gostava mesmo era de ver balões no céu e de saltar as crepitantes fogueiras que meu pai acendia no terreiro de nossa casa.
4. E, claro, das guloseimas são-joaninas preparadas, com muito amor, por minha mãe: pamonha, milho cozido e assado, bolo, manzape e canjica com um pouco de canela. Licor, só o de jenipapo.
5. Nunca participava do chamado "divertimento das sortes". Temia que o resultado, ao invés de me encher de entusiasmo e otimismo, me levasse à depressão.
6. O que eu menos queria era que uma dessas "mentirinhas joaninas" chafurdasse os sonhos, nobres e saudáveis, de um mancebo alegre, feliz e de olho no futuro...
7. Rachel de Queiroz conta, que ao participar de uma "sorte de são-joão", ouviu que morreria aos quinze anos de idade. E completa a dileta escritora: "... me preparei para esse fim prematuro; fiz até uns versos de despedida. Uma vez que não tinha amores, cuidei em morrer como uma virgem cristã, de capela de flores e vestido branco." Rachelzinha morreu com mais de 90 anos; e cronicou até o fim da vida!
8. Mas eu falava do foguetório que, ainda hoje, azucrina minhas oiças nas noites de São João. Em outra crônica, Rachel de Queiroz recorda que uma mãe-de-santo lhe dissera não ser adepta de foguetórios uma vez que Iemanjá também não o era. "O barulho e o excesso de relâmpagos" desagradavam ao querido Orixá.
9. Oh! Mas não foi o que eu vi na Bahia, onde moro há mais de cinquent'anos: o são-joão da Bahia é tão ruidoso e flamejante como o são-joão de qualquer outro Estado do nordeste.
10. No interior da Bahia tem uma tal de "guerra de espadas" que, todos os anos, manda dezenas de "guerreiros" pros hospitais, com queimaduras de todos os graus.
11. Mas nada é mais incômodo e surpreendente do que o corruscante e atrevido busca-pé. Ele é veloz; traiçoeiro; e ousado.
12. Certa ocasião - nesse tempo as mulheres ainda vestiam saias -, vi um busca-pé traquina subir pelas torneadas pernas de uma manceba; e só lhe não atingiu a calcinha porque sua anágua (anágua? o que é isso?) impediu que o ímpetuoso e irreverente mini-foguete fosse mais além...
13. Em outra ocasião, numa fria noite de São João, eu caminhava eu pelas ruas do meu bairro, a Pituba - pensando em não sei o quê -, quando um busca-pé acertou-me os calcanhares. Assustado, não consegui descobrir de onde ele viera.
14. Nem por isso deixei de mandar muita gente para a p.q.p. No que fui efusivamente aplaudido por quem presenciou minha aflição e justa indignação.
15. A caminho de casa, lembrei-me que, em agosto de 1837, Lopes Gama, o temido redator-chefe de O Carapuceiro, escrevera uma crônica criticando o busca-pé e chamando-o de "fogo solto e violento". Vejam, que sua má fama vem de muito longe. Bom são-joão!