Sem ponto final

I

4.45hs – O Opala verde escuro descia a ladeira vagarosamente com as luzes apagadas e em ponto morto. Em sentido contrário, as três prostitutas se recolhiam dando o serviço por encerrado. O Opala pára, o condutor desembarca, dá a volta por trás do automóvel e quando as mulheres estavam a menos de quatro metros, são surpreendidas com um revólver apontando para elas. Não tiveram tempo de reconhecer que se tratava do mesmo homem que, em três noites consecutivas, lhe recusaram um convite. Um tiro no meio do peito de cada uma e fim de madrugada. A polícia não tem suspeita

II

14.55hs – Todos na obra sabiam que Zacarias não morria de amores por Cícero e que um dia alguma coisa ruim acabaria acontecendo. Raimundo, 19 anos, viu perfeitamente quando Zacarias veio por trás e empurrou Cícero. Os três estavam no andaime do 10º andar. Cícero morreu na contramão atrapalhando o tráfego e Raimundo prefere o silêncio apesar de não esquecer as lágrimas da esposa e dos quatros filhos do conterrâneo da Paraíba. Zacarias (apesar de paraibano também), não é flor que se cheire. A polícia está analisando a causa do acidente.

III

18.30hs – Edgar estivera fora de casa por mais de seis meses, Não teve dificuldades em entrar no pequeno sobrado, já que Norma, a companheira de 12 anos nunca se importara em trocar a fechadura. Enche o copo de um wisque barato com pouco gelo e abre a janela dos fundos para arejar a pequena sala quando se depara com uma cena que não chegou a surpreendê-lo. Norma se despedia de um homem; os corpos a um metro de distância e as mãos se tocando. Norma tinha pressa na despedida, mas ele aparentava ter tempo disponível. No reencontro, Edgar não apresentou qualquer reação, contou das suas andanças pelo Uruguai enquanto Norma disfarçava a incômoda presença. Foi após ingerir o segundo copo de wisque que Edgar resolveu dar um basta na falsidade e apunhalou a garganta da mulher que passava roupas. A policia está analisando o crime

IV

0,45hs – Marcondes é PhD em criminalidade e era o entrevistado da noite num programa que vai ao ar em rede nacional. A cada pergunta, uma agonia, já que Marcondes não consegue completar seu raciocínio, pois era interrompido com novas colocações absurdas do entrevistador que ensistia em culpar a política governamental ou secretários de Segurança Pública. Bem que tentara justificar que o governo não tem como colocar um policial em cada esquina, em cada apartamento. E quando ia expor que a maldade humana remota desde a criação do mundo com o assassinato de Abel por seu irmão, o apresentador o interrompeu com um “Boa Noite...”

Tristão de Tall
Enviado por Tristão de Tall em 19/06/2008
Reeditado em 08/04/2011
Código do texto: T1041741
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