VIDA NO CAMPO
Início de mil novecentos e cinquenta e nove e lá estava eu de volta para o sítio Jenipapeiro. Com o passar do tempo ia crescendo em estatura e experiência. Fui aprendendo a fazer as tarefas domésticas mais simples e assim ajudava as minhas irmãs mais velhas do que eu. A comida sempre ficou a cargo da minha mãe, mas auxiliada por uma das meninas. Afinal éramos cinco filhas.
Para todo sertanejo a época do ano que traz mais alegria é o período do inverno. Na minha meninice não foi diferente. Os dois irmãos mais velhos juntamente com os moradores que trabalhavam para o meu pai, preparavam a terra para a semeadura e meses depois acontecia a colheita.
Nesta época, minha irmã Iracy foi estudar no Colégio Francisca Mendes em Catolé do Rocha, dirigido por freiras alemãs. Era regime de internato e com onze anos decidiu ser freira. Nas férias vinha desfrutar do aconchego familiar. Sentia imensamente sua falta, pois éramos muito unidas. Ficava feliz com sua chegada!
O inverno no sertão geralmente começa em janeiro. Era neste período que nós duas íamos levar a comida para nossos irmãos e os outros homens que estavam na lida. Minha mãe, com toda a sua habilidade na cozinha, preparava tudo mais cedo e com muito carinho, no velho fogão à lenha.
Lá íamos nós caminho afora, contentes, cantando e conversando. A melhor parte que gostava era passar por dentro dos pequenos regaços de águas cristalinas, que apareciam durante o percurso. O contato com a natureza sempre me encantou. A vegetação da caatinga tomava outra roupagem e lá estavam os campos desbravados para as plantações.
As conversas com minha irmã giravam em torno da vida do campo, da minha escola, das suas experiências no colégio e das visitas às casas dos parentes mais próximos. Quando voltávamos da roça, era servido o nosso almoço e logo em seguida íamos brincar de casinha com nossas bonecas de pano. Tinha também a companhia das queridas primas-irmãs: Nancy e Lucinha. Meu pai era irmão da mãe delas e minha mãe irmã do pai. Parentesco chamado de primos carnais. Nossas casas eram próximas facilitando assim o nosso convívio. Além das bonecas brincávamos de esconde-esconde, cabra-cega e tantas outras brincadeiras. Todas as manhãs, íamos tomar banho de açude, mas primeiro passávamos por debaixo das mangueiras para saborear os seus frutos sadios e deliciosos.
A nossa comunidade sempre mantinha uma professora que vinha de Catolé do Rocha para ensinar a meninada. Hospedava-se em casa de um dos membros da família. Aprendi desde criança a ser responsável, uma qualidade que me acompanha durante toda minha trajetória. Não me lembro de ter sido advertida na escola por mau comportamento. Assim eram as crianças daquela época, principalmente as que moravam na zona rural. Talvez pela própria forma como eram educadas. Tempo de muita disciplina. Os valores eram passados pelos pais aos filhos, mesmo sendo alguns analfabetos.
As minhas travessuras eram banais. Meu pai nunca me bateu. Já da minha mãe levei algumas chineladas pelas briguinhas de criança. Há uma distância cronológica da sexta filha para nós, os três últimos: Iracy, Eu e Fábio este o caçula da família. Esta é a razão porque nos entendíamos muito bem e havia uma afetividade entre nós.
Lembro quando chegavam as chuvas com trovões e relâmpagos. Todos tinham que se deitar em suas redes, ordem de pai, pois tão grande era o medo que sentia das trovoadas. Ah, o jantar! Este só era servido depois que acalmasse a tempestade. Hoje, para mim o trovão não tem mais o significado de antes - o medo.
Não pensava muito no futuro por não ter consciência do que me esperava lá fora. Só queria estudar. Vivi num mundo sem receber muitas informações, apenas os mais velhos escutavam os repórteres no rádio. Contentava-me em ouvir músicas e assistir as novelas juntamente com as mulheres da família.
Apesar das dificuldades, a família vivia em harmonia. Havia o mais importante que ninguém rouba - o amor! Sob as bênçãos do Pai Supremo caminhava com esperança, alimentada pela fé.
Não estou me detendo nos detalhes para que o texto não fique longo. Isto seria para um livro. Vou relatar nos próximos textos outras experiências vivenciadas no sítio.
Neneca Barbosa
João Pessoa, 20/01/2006