A CULPA É DE MEU PAI

Quando eu era menina de engenho eu queria conduzir carro-de-bois; manobrar as engrenagens do engenho; mexer os tachos de mel efervescente; por às costas os sacos de açúcar e mais: subir nos coqueiros; ser vaqueiro e até feitor. Aí o meu jovem pai me dizia: menina não leva jeito para essas coisas. E me mandava brincar com bonecas feitas de espigas de milho verde.

Quando eu era mocinha da cidade eu queria estudar música, compor e ser tão famosa quanto... Como desconhecia uma mulher compositora de nome consagrado, eu dizia: igual a Schubert, por conta de sua Ave Maria, que escutava todos os tardes. Queria ser inventora, como Thomas Edson, Santos Dumond, Alexandre Grham Bel, de cujas invenções tanto o meu avô falava. Queria ser filósofa, admirava Platão porque dele me falava o velho professor Cabral, afirmava ele que Platão possuía a sabedoria e também a arte e que o filósofo e o poeta moravam numa só alma. Queria ser dramaturga, como Shakespeare. Queria ser igual a Machado de Assis, afinal já tinha lido e relido A Mão e a Luva, Helena e Iaiá Garcia. Então, o meu velho pai me dizia: mulher não tem cabeça para essas coisas. E me mandava aprender a fazer bolo com a minha mãe, cuidar de crianças, lavar pratos e arrumar a casa com a Júlia e lavar roupa com a dona Maria Ventura.

Hoje, sem pai para me dizer o que me é permitido fazer e do que sou capaz, fico imaginando se de fato essa diferença de quatro milhões de células nervosas, apregoada pela doutos cientistas deixam nós mulheres menos inteligentes do que os homens De minha parte, uma coisa eu sei que não sei: a falta que os tais neurônios me fazem , nem aonde eles deveriam atuar: se no cérebro, cerebelo ou bulbo.

Agora, de uma coisa eu sei que sei: se rodaram poucas saias entre as cabeças pensantes que deixaram legados notáveis à humanidade, a culpa é de meu pai, do pai dele, do pai do pai dele e por aí vai...

Zélia Maria Freire
Enviado por Zélia Maria Freire em 18/06/2008
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