Morgadinho
Não eram ainda 3h da tarde. Dessas tardes gostosas que estamos vivendo em São Paulo.
Não eram ainda 3h da tarde. Dessas tardes gostosas que estamos vivendo em São Paulo.
Um friozinho que aproxima a gente e um sol brilhante que dá uma vontade louca de viver morgadinho.
Entre uma aula e outra senti uma fome saudável, uma vontade caprichosa, de um filé com fritas.
Atravessei a rua, andei uns 150m e estava lá, um barzinho simpático, mesas e cadeiras de madeira na calçada e um toldo transparente nos protegendo do vento frio.
Sentei-me, pedi o meu desejo e uma coca-zero.
Eu precisava compensar o pecado do filé vermelho com alguma coisa mais light.
E as batatas fritas então? Deliciosas, com aquele salzinho em cima, soberbas.
A consciência pesou um pouco, confesso meio envergonhado, mas a vontade falou mais alto, não resisti.
Aproveitei e, ali mesmo, prometi ao meu anjo protetor, que à noite faria 30 minutos a mais de esteira.
Não sei se ele acreditou..., ando mentindo muito ultimamente. Mas também nem sei se anjo anota as bobeiras que a gente faz, as promessas que deixamos de cumprir.
Falando em anjo, na mesa da frente, tinha duas moças loiras, lindas, apesar que uma eu só via de costas e, vez ou outra, o perfil. Eram duas anjas. Também não sei se anjo tem feminino, mas enfim...eram duas.
A que estava de frente a mim falava manso, tinha pele clara e olhos de um verde agudo. Gesticulava suavemente.
Tinha entre 25 e 30 anos, pois não aparentava nenhuma marca no rosto ou no dedo anelar. Acho que era uma anja mesmo.
Entre uma batata e outra, eu deixava meus olhos curiosos viajarem até a mesa delas.
Minhas orelhas de abano pareciam antenas parabólicas.
Acho que como presente, ela aumentou um pouco o tom da voz e eu pude entender que ela dizia mais ou menos assim:
Acho que como presente, ela aumentou um pouco o tom da voz e eu pude entender que ela dizia mais ou menos assim:
- Eu tenho uma vida livre, sou muito light, sei o que quero, não me subjugo mais, sou feliz.
Gostei daquilo.
Por uma fração de tempo, que não sei precisar quanto, no caminho do prato à boca, uma batata parou no ar, espetada no garfo.
Um copo de refrigerante, também parou no ar, na mão dela.
Uma sensação deliciosa de parar a vida, parar o tempo.
Ela fixou seu olhar no meu, percebi que ela corou.
A ponta de seu nariz avermelhou
A ponta de seu nariz avermelhou
De maneira notável. Senti que seus olhos umedeceram.
Pensei:
Será que ela está me vendo como um amante? Um amigo?
Será que ela está me vendo como um pai?
Será que ela me deseja como homem, ou está me pedindo ajuda?
Acho que ali nascia um grande amor. O momento era sublime, era mágico.
Eu a vi mulher se despindo emocionalmente.
Eu a vi desabotoando as fantasias, rasgando sua capa de proteção, deixando-me vê-la nua. Vi suas dores, vi sua história. Ela era humana, era uma mulher, não era mais um anjo, uma anja ou uma deusa.
Ela se despiu.
Ela se despiu.
A moça que estava de costas deve ter percebido aquela emoção mágica no ar. Levantou-se e dirigiu-se ao toalete.
Levantei-me também e fui até o caixa pagar minha conta.
Quebramos ali, os três, simultaneamente, toda a magia que rolava. Todo o clima que rondava no ar.
Peguei meu troco e, virei-me pra sair, dei liberdade para meus olhos passearem pelo salão, eu queria vê-la mais um pouquinho.
Feliz assisti ali, na minha frente, as duas trocando um longo beijo de amor.