"Eu, Pecadora, Me Confesso..." =Crônica de Viagem=
Como já se passou muito tempo, não me lembro se íamos em oito ou dez carros em direção à distante cidade de Presidente Prudente. Distante para quem partia de São Paulo. Lembro-me bem que éramos trinta e seis colegas por causa de um comentário de nosso gerente de território. Contando com ele, trinta e sete viajantes naquela noite.
Nas diversas paradas para descanso, alguns colegas trocavam de carros para continuar alguma conversa iniciada; por ter descoberto que um amigo viajava em outro carro; ou até mesmo apenas para variar de carro, de turma, de piadas e gozações.
Uma moça bem novinha que viajava em meu carro não trocou nem uma vez de lugar. Desde o início sentara-se ao meu lado, aconchegara-se a mim, encostara a cabeça em meu ombro e, fingindo dormir, ia aos poucos demonstrando a que veio. Coincidindo com o que eu queria de uma bela caronista o “ao que veio”.
Éramos eu, ela, e outra colega no banco da frente, e duas moças e um rapaz no banco de trás de meu “Opala” que, naquela época, era o que se podia chamar de carrão de luxo.
Na última parada, uns cento e tantos quilômetros antes de Presidente Prudente, um colega perguntou-me se poderia viajar em meu carro e eu lhe disse que não haveria problema.
O que ele queria era apenas descansar e deixara seu carro nas mãos de outra pessoa. Sentou-se no banco de trás, cobriu a cabeça com o paletó e ajeitou-se para dormir. Nenhuma das moças chegou a ver a fisionomia dele por estarem cochilando quando ele embarcou.
Poucos quilômetros adiante as duas moças que viajavam no banco de trás começaram a conversar sobre infidelidade, tanto a dos homens quanto a das mulheres, e a moça que viajava grudada a mim, resolveu manifestar seu ponto de vista. Tranqüilamente passou a contar-nos suas infidelidades e de que maneira agia para enganar o marido sempre que podia. Contou em detalhes suas safadezas, rindo muito, e pedia-nos, a cada momento, segredo total, visto que o marido era nosso colega, recém admitido na empresa. Todos nós resmungamos um assentimento e ela continuou papagueando sobre suas constantes traições ao mesmo tempo em que elogiava as boas qualidades do trouxa que a levara ao altar.
De repente o rapaz sentado no banco de trás agarrou-a pelos cabelos, puxou sua cabeça para trás com violência e gritou que eu parasse o carro o quanto antes. Claro que parei no ato, jogando o carro para o acostamento e freando logo.
Assim que parei o carro ele me pediu que descesse e, com a cabeleira dela na mão, tirou-a para a estrada, arrastou-a até o acostamento e passou a espancá-la com extrema violência.
Com medo de que a matasse, tentamos interferir, mas ele tirou uma pequena arma do bolso e ameaçou-nos. O primeiro que se metesse levaria um tiro. Nenhum de nós achou que valia a pena levar um tiro pra defender a infiel.
A surra que a moça tomou daria pra satisfazer meia dúzia de masoquistas. O sujeito só parou de bater quando viu que poderia matá-la, creio, ou por estar cansado de tanto bater.
Depois, enquanto ela se arrastava com dificuldade, tentando levantar-se, ele nos contou que desconfiava dela havia muito tempo, mas por falta de tempo e também por incompetência, não havia conseguido ainda nenhuma prova concreta contra ela.
- Colegas, eu acho que essa vagabunda me trai desde a lua-de-mel. Faz pouco tempo que nos casamos e vocês ouviram tudo que ela contou. É tão descarada que ainda me elogia, diz que sou bom marido, boa pessoa, e mesmo assim me coloca chifres e ri da minha cara pedindo segredo enquanto demonstra a ordinária que é e...
Enquanto ele falava os motoristas dos carros que iam à nossa frente perceberam nossa falta e fizeram o retorno à nossa procura. Em pouco tempo todos os colegas reuniam-se à nossa volta, curiosos, querendo saber o que acontecera, e o zum-zum-zum generalizou-se.
O marido traído queria deixar a esposa abandonada na estrada. Que ninguém lhe desse carona. Claro que ninguém aceitou a idéia e acabou ficando combinado que nosso gerente a levaria de volta a São Paulo no dia seguinte, quando teria que voltar à capital. Evitava-se assim uma possível tragédia no hotel da cidade.
No dia seguinte a confessora voluntária havia se restabelecido razoavelmente da surra e embarcava de volta pra capital com nosso gerente fazendo o papel de motorista particular.
A gargalhada explodiu, generalizada, na porta do hotel, quando um engraçadinho, que eu não sei quem fui, perguntou alto ao gerente:
- O senhor vai parar no caminho pra comer alguma coisa?