O NINJA
Há cerca de um mês, por meio da crônica “O Assalto”, eu lhe apresentei o meu “muso”: um jovem que é bastante diferente de quase todos os rapazes de sua idade, porque sabe escutar atentamente o seu interlocutor, fala pausada e educadamente, veste-se com calças e camisas sociais, e é um lutador de Ninjutsu.
Em Linhares, apenas seu Shidoshi-ho, Klevin Gatte, Yodan (4º DAN), poderia nos dar uma aula sobre esta arte marcial, mas eu soube que, diferentemente do judô, do karatê e da capoeira, em que os lutadores mudam seus níveis de conhecimento trocando as cores das faixas de seus kimonos, o Ninjutsu usa apenas uma de cor verde. Dizem que ela representa a esperança que quase todos os iniciantes têm de aprenderem a bater em vez de só apanhar.
Soube, também, que a troca de KYU (grau de iniciantes) acontece em acampamentos. No último feriadão, o grupo de ninjas de Linhares teria acampado de quinta a domingo, no sítio de um colega, exatamente com essa intenção. O combinado é que cada um deveria levar uns 100 itens, incluíndo barraca, alimentação, corda, equipamentos, roupas e bebida.
Meu “muso”, como bom entusiasta da arte, quis muito ir, apesar de lhe restarem apenas R$10,00 do seu salário de novembro. Como só não há jeito para morte, ele decidiu que iria, se conseguisse convencer um primo que negocia polpas a doar-lhe algumas frutas. Com o dinheirinho que tinha, gastou R$5,00 comprando três potões de farinha láctea (claro que não eram da Nestlé!) e o restante com açúcar, fósforo e velas. Como não sobrou grana para comprar leite, o jeito era levar os dois galões de água, vazios, para enchê-los com água do poço do sítio, e lembrar-se de levar um filtro de barro que havia em sua residência.
Na quarta-feira à noite, data e horário acertados para receber as frutas, ao abrir a porta da quitinete onde reside, ele defrontou-se com dois cachos (de aproximadamente um metro de altura cada) de bananas nanicas... BEEEMM VERDES! Estupefato, ouviu do primo a justificativa de que era o que conseguira, além do conselho para não se preocupar, pois havia umas 05 bananas amarelando e, certamente, nos dias seguintes os dois cachos estariam totalmente maduros.
Conformado, ele decidiu que iria mesmo assim e para tal acordou às 5h da madrugada. Chegando ao sítio, seu Shidoshi-ho o convidou para fazer umas coisinhas “meigas” como carregar areia num carrinho de mão, cortar e carregar uns troncos de árvores, isso até meio dia. Tanto esforço abriu-lhe o apetite e o levou a comer as 05 bananas “premiadas” como primeira refeição.
Na hora do rango, os colegas que levaram picanhas para fazer churrasco, chapas para fritar bifes, fogareiro para macarronadas, arroz, batatas fritas, peixes, salsichas, calabresas, hambúrgueres, feijão tropeiro, biscoitos, cachorro quente, etc. lhe perguntaram por que ele levara bananas. Meu “muso” lhes respondeu que um tio seu, médico, as recomendara como alimentos eficazes contra câimbras e infecções intestinais, que já o acometeram duas vezes há algum tempo: uma por ingerir comida estragada e outra por comer muito.
Não é que os “tolinhos” acreditaram na estória e ainda quiseram experimentar a tal farinha láctea com banana e açúcar?
Como já comera as únicas 05 bananas amareladas, e seu “tio lhe recomendara alimentar-se apenas com frutas”; seu almoço, lanche da tarde e jantar foram brisa e água do poço. Assim, adormeceu com a barriga roncando e rezando para que as demais frutas estivessem maduras no dia seguinte. Como esfriara à noite, porém, ao acordar na sexta-feira, descobriu que apenas 03 bananas tinham começado a amadurecer (os entendidos sabem que frutas precisam de calor para madurar), mas ainda eram “incomíveis”. O jeito foi ingerir farinha láctea com açúcar e água, o dia inteiro.
Sonhou de sexta para sábado, que ao acordar ele encontraria pelo menos as 03 bananas já completamente maduras, o que permitiria variar o cardápio. Pela manhã, porém, ouviu uma voz saída de uma boca cheia, dizendo: “Bom dia!! Cara, suas bananas eram gostosas, mesmo!! Era o seu companheiro de barraca, saboreando “a última das 03 moicanas” que comera, enquanto meu “muso” dormia. Para piorar, nenhuma outra fruta dos cachos estava no ponto de ser ingerida. O jeito foi voltar à dieta da farinha láctea, que àquela altura já se tornara insuportável.
Seus “mui amigos” começaram a reparar que todos eles davam uma sumidinha ou duas para ir ao mato fazer suas necessidades fisiológicas, menos meu “muso”. Diante de cobranças, sua justificativa foi: “Eu sou assim mesmo, quando viajo meus intestinos não funcionam.” Mentira!! Simplesmente não havia um bolo fecal suficiente para o organismo expulsar!
Como sujeito cordato e “pau para toda obra”, entretanto, não demorou muito e foi eleito o “mucamo” do acampamento: carregava num carrinho de mão, várias vezes por dia, os galões até o poço para enchê-los, lavava os pratos, chapas, panelas e talheres, tudo em troca de um restinho de comida aqui e outro acolá. Também o cortador de unhas e o espelho que apenas ele se lembrara de levar, viraram boas moedas de trocas por comida.
E a “sumidinha” no mato? Nada! Restinhos demoram muito para juntar algo que precise ser expelido.
Pensa que ele ficou triste? Qual o quê!! Quando lhe perguntei isso, ele me disse com um sorriso entusiasmado: ”Apesar da fome e de quase quebrarem meu nariz, consegui mudar de nível e estou mais próximo de ser ninja. Ser ninja é exatamente isso: resistir e persistir!”