Pura e simplesmente

PURA E SIMPLESMENTE

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 18.06.2008)

A história surgiu num desses jantares mensais entre os três casais, amigos de longa data, que têm como ponto forte em comum o fato de os maridos haverem sido "convidados" a se demitir de uma grande empresa multinacional - o maior lucro e um dos maiores faturamentos tanto no mundo todo como no Brasil em particular - depois de mais de 20 anos de trabalho dedicado, por cada um deles, à honra e glória da firma, nisso que o "politicamente correto" da administração e dos negócios costuma chamar de PDV (Plano de Demissão Voluntária, o que se constitui em tremenda falsidade, pois nenhum do três - nenhum dos três mil brasileiros dela assim demitidos, em verdade - apresentou-se como voluntário a dar o pescoço à faca) ou de PDI (Plano de Demissão Incentivada, outra impostura para tentar preservar, dentro do que vendia internamente como "política de pleno emprego", a promessa solene de que, grandiosa e comprometida com o futuro e o bem-estar permanente dos seus colaboradores, a companhia jamais demitiria funcionário algum, salvo por força de falta gravíssima devidamente comprovada e, mesmo neste caso extremo, somente após amplas garantias de defesa dadas ao suposto faltoso).

Demitidos voluntária ou incentivadamente, os três - todos os três mil, enfim - perderam unilateralmente o direito à complementação salarial e ao plano médico para o casal na aposentadoria, pois não lhes foi sequer permitido optar pela continuidade da contribuição financeira à fundação de previdência privada criada pela multinacional. Desta forma "engenhosa" e dialética (no pior sentido da palavra), de uma penada, milhares de projetos de vida foram arruinados, amarrotados, rasgados e jogados na lata de lixo sem a menor complacência.

Assim caminha o mundo dos grandes negócios, do capitalismo sem fronteiras, da globalização dos mercados. Pessoas são detalhes passageiros e insignificantes que se debatem insanas em meio às cifras grandiosas, estratosféricas, que gravitam em torno dessas corporações.

Num desses jantares mensais, pois, a Gilce comentou que deveria de haver disponível em algum lugar uma relação de endereços eletrônicos de senadores, deputados federais e estaduais para que a população pudesse manifestar-lhes, através de mensagens enfáticas e iradas, a sua profunda indignação pelas barbaridades que estivessem (estão) acontecendo de Norte a Sul, de Leste a Oeste e, em especial, naquele ponto geográfico central chamado Brasília. Saturada de injustiças em geral, particulares e coletivas, a mulher não se conforma em ficar apenas ardendo de raiva frente ao que vê, ouve e lê sobre os costumes políticos e as decisões judiciais no Brasil: ela quer se manifestar positivamente, dar sua opinião, enviar sugestões, alinhar argumentos aos representantes do povo eleitos para representá-lo nas diversas casas legislativas. Ela acredita que, sem esse instrumento de retorno, sem essa possibilidade de buzinar com estridência nos ouvidos parlamentares, seu voto não estará plenamente realizado. Para ela, a delegação popular tem que se exercer e se exercitar de forma permanente: a cada momento, a cada acontecimento, a cada projeto de lei, a cada comissão de inquérito, a cada relatoria, a cada votação - e não apenas a cada eleição.

Parece claro que é fácil montar a relação proposta pela Gilce. Afinal, esses endereços eletrônicos todos são públicos. O problema, na real, é fazer com que as pessoas usem intensivamente essa poderosa ferramenta e, em especial, que as mensagens cheguem por inteiro aos deputados e senadores, e não sejam filtradas por seus abnegados assessores - pagos por nós.

(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "O Tempo de Eduardo Dias – Tragédia em 4 tempos", teatro, este em co-autoria com Francisco José Pereira)

Amilcar Neves
Enviado por Amilcar Neves em 17/06/2008
Código do texto: T1039255
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