Futuro Negro

Satanás quando bate à porta está tão camuflado que se confunde com anjo de luz. As garras longas, afiadas, ávidas por inocência estão tão bem embainhadas que se assemelham às unhas de moça donzela. O veneno que trás na boca macia parece licor feito por cunhantã. Os olhos rasgados, quase fechados, fingem nada ver. Mas na verdade já enxergaram a caatinga por dentro e por fora, pelo alto em maquinas voadoras.

A tv reproduz nas manhãs de domingo, no Globo Rural (15/6/2008), a velha tática jesuítica que consistia em ridicularizar os índios diante deles mesmos, principalmente, dos curumins! Era achincalhada a cultura de maneira que os próprios índios se envergonhassem deles mesmos e se convencessem de que precisavam mudar, precisavam aderir urgentemente aos costumes dos invasores brancos. Quem julgou tal prática morta e enterrada, se enganou. Tal esdruxulez continua mais viva do que nunca nos nossos dias!

Uma japonesa nordestina, linda, inebriada com o forró; um japonês adaptado ao sertão pronto para defender a cultura local; outro calorosamente a propagar a mistura das raças e a unificação dos costumes tão antagônicos; um velho japonês que adora feijão, e feliz da vida com a terra que tudo dá. E ainda, dois japoneses que enriqueceram com a plantação de manga e chá, através da irrigação. Que milagre foi este que a rede Globo conseguiu para levar ao ar nesta fatídica manhã de domingo? Não seria mais fácil colher depoimentos de americanos medianos que acreditassem que a Amazônia é brasileira!

E para convencer que o lugar do sertanejo não é no sertão, apresentaram um agricultor nordestino feliz por conseguir comprar comida; um agricultor do centro-oeste feliz por comprar um carrão possante e, por fim, um agricultor sulista feliz por conseguir comprar três belos apartamentos. Programa tendencioso, adrede montado para que qualquer um conclua: o que o sertão tem de errado é o sertanejo! Demos a caatinga aos japoneses. Estes ali farão fortuna. Que sejam os sertanejos exterminados como os índios, como os habitantes do Caldeirão! Nenhuma novidade.

Certa está a bíblia quando diz do lobo em pele de cordeiro. É esperar para ver a sucuri engolir o bezerro. O meu pedaço de caatinga - que nos pertence a mais de três séculos, que nem os militares quiseram - não vendo nem troco. Se quiserem que caguem (perdão pela expressão chula que tão bem descreve a ação) novamente em cima do direito à propriedade e tomem-no! Não foi assim que se fez durante os Anos de Chumbo?

Isto não significa tendência a nenhuma ideologia xenófila ou xenófoba. Até porque o sangue sertanejo, vira-lata por natureza, jamais adotaria postura repulsiva ao semelhante. O que me apavora é o repentino interesse pela caatinga. Será que realmente estão acreditando na transposição das águas do São Francisco? Prefiro não estar vivo quando a caatinga estiver cheia de japoneses com acesso a água abundante e irrigação financiada pelo Governo brasileiro. É preciso irrigar, é preciso produzir, é preciso escolarizar, é preciso respeitar o catingueiro que ali torna a existência possível por mais de cinco séculos!