Maria. 1.
Havia tempo, e eles não sabiam que o rio perdera parte das pontes por onde os aldeões atravessavam para se encontrarem do outro lado com o mundo.
E o mundo lá na frente, tomara com a divisão, como uma doçura a nevoa, às vezes inalcançável, às vezes gris, às vezes tristes como a feitura dos olhos que a contemplavam.
Vinham logo os campos que a frente no encalço vertia, como que uma vida, mas nem sempre própria.
E o vento domava as folhas, como podia também dominar borbulhas de água nos estanques dormidas; que eram espelhos para os pássaros, ondas enquanto admirar insetos que se deslizam numa dança tão antiga como o primeiro raio dormido no primeiro cabelo da primeira espiga.
E nunca pensavam na morte, com a certeza de essa possibilidade.
Essa trigueira cor que alimenta nos seres uma paz como inexplicável, fora absorvida pela lua nas noites de estrelas pungentes, nos dias devolta pelo sol para dar vida na areia a novas formas geométricas, pois da luz surgem a cores, e com elas diversas formas de ver um mesmo, idêntico fenômeno
Foi como essa manha quando Inês ia parir abaixo dos lençóis, de trigo uma semente.
E assim, sem outros protocolos, alem da beleza de vir a ser da mesma luz e cor da terra, nasceu Maria, dorida de tão grande formosura, como a lua prenhe pela ilusão das despoluídas mentes, a dia de hoje esquecidas. Ao igual que o adeus, ao igual que um passado cuja memória é interrompida.
O passado pode ser tão grande como universo, o futuro pode ser tão imediato como desbocada sua ânsia, o presente pode desaparecer em médio de estas duas ramagens. Afogada na sua vertente mais literária, Maria seu futuro descuidou como que não da importância as cousas de que não precisa.
Nasceu Maria, filha de Inês, filha do campo, do centeio, do azul sobre as papoulas em plena primavera, nasceu como quem vem anunciando que nada de novo terá acontecido, que nada novo ira acontecer, e que a partires de agora o amor livre talvez venha ser uma de tantas outras probabilidades. Sabe-se: se perdem no céu, ou retornam para ser paisagem.
Havia tanto tempo que não crescia um ser assim: ventre de lume verde, certa em pudor como uma lagrima a deitar saudades; entre orvalhos que aromam jardim ainda rendido aos suspiros das roseiras, como a noite amarga se rende aos rostos que em ela se inserem. E no de Maria um luar acima do beiço, pudera ser começo, talvez da noite deitada nas nossas terriveis mentes.
Os antigos achavam em esse pressagio uma divida adquirida, bem por um mau feito herdado, ou bem como a cobiça na inveja que é inimiga do gozo limpo, alheio e amavel, que eles não podem escravizar. Alegria porem com efêmera ilusão ganha partidas engano; os antigos sabiam. Mas a experiência dos antigos, hoje vende a um valor muito escasso, e ninguém perscruta os sinais que a flor de pele o vento levanta, ou fixa seu olhar no troco da luz sobre as rochas inertes desanimadas, roubando-nos a energia o saber natural foi abandonado.
Assim que a pesar do que os antigos achassem... A ilusão sobrevive sem medo ao risco, sem no risco confrontar-se, por causa daqueles primeiros em esquecer os nomes sagrados.
Não se elege nascimento, tampouco se elege abandonar sabedoria, rotas que nos legaram suadas com pele e com sangue, ao igual que se abandona um rio na curva mais longa da estrada, para seguir outras sendas, trilhar outras entranhas, quiçá pior talhadas, em centos e centos de anos devotos aos novos deuses pelo imperio aos tronos alçadas, com ajuda e a força dos novos costumes. Mas os rumos também viram, (os imperios morrem) e os rumos cambiam um curso, o curso muda meu rio.
Apareceu, pois Maria, uma Maria qualquer: filha da luz, do centeio, do azul sobre as papoulas na triste primavera, e também da desgraça que amarga caminhos tão simples como escolhidos, para fazer de nós os seres, criaturas a miúdo infelizes.
Apareceu no peito da sua mãe a dormir saudades. No desprezo dum pai fugitivo, no desleixo de aqueles avos que temem mais a vergonha que amam o fruto roubado. A vida que nos regala com exuberância, com brilho e esplendor cada dia um novo dia.
Apareceu Maria, pois, húmida, nas próprias lagrimas da mãe.
Apareceu Maria como quem observa também como se fracassa na vida que outros, por nós marcaram.