O seu retrato
Está fazendo um friozinho que nos faz fechar as janelas da casa. Melhor, assim não temos que ficar olhando o céu cinzento e sem graça. Podemos nos concentrar numa contemplação mútua.
Tudo bem que olha as minhas rugas e me acha velho, meio passado, alguém que já não tem pique para escalar o Aconcágua, e, quer saber, não tenho mesmo, nunca tive; aventuras deste naipe, envolvendo esforço físico, suor, perigos, francamente, só pela televisão, lanterna mágica moderna que já nos levou ‘a lua, ‘a Marte, ao fundo do oceano, ao casco carcomido do Titanic.
Fisicamente, minha querida, prefiro olhar, ver as suas rugas que, como as minhas, se formaram sem que nos déssemos conta, os seus cabelos e a forma linda como você passa o tempo, costurando incessantemente, como se estivesse tecendo a trama do dia.
Até aqui já temos uma confissão, a de que gosto de lhe olhar costurando, e motivos para muitas reclamações, como essa história de suas rugas e seus cabelos grisalhos.
Vejo o seu retrato sobre a cômoda, assim como era o seu rosto há muito tempo, a juventude pujante querendo assaltar a vida e suas etapas sem medo. Francamente, tenho saudades suas, daquele tempo em que você toparia, por exemplo, acampar em Campos do Jordão, para o festival de inverno, sem medo do desconforto e do frio. Hoje não mais, o que dirá o Aconcágua.
E ficamos mesmo em casa, com as janelas fechadas, sonhando com aventuras pela televisão.