Insônia

Espalmo as mãos e passo os olhos sobre as linhas da vida e imagino alguns ditames que uma cigana nelas leria, significados mil. Estendo-as de costas e gosto dos dedos longos, grossos, os poros parecem mais abertos e a pele ressecada. Prometo-lhes um bom creme. As unhas também reclamam manicure. Apago a luz e volto a rolar na cama que me parece fria. Se boto mais um cobertor, não suporto o calor...

Estendo o corpo e toco-me a cada recôndito: os braços, as pernas – as pernas parecem mais grossas e é sinal de que ganhei uns quilinhos –barriga, peitos, cara, olhos, cabelo – estão precisando de corte. Inteiro tateado, mapeado... A cabeça?! Os hemisférios cerebrais, direito e esquerdo... Um responsável pela razão e o outro pela emoção, diria o professor João. Qualquer hora me aprofundo nesse assunto. O cérebro, esse bolo de massa cinzenta que parece uma castanha de caju, é uma máquina muito esquisita e me provoca medo. Não gosto dele, não me agrada a idéia de imaginá-lo tão imponente sobre meu pescoço. Felizmente, um dia, o cérebro se decompõe, liquidifica-se e some nas entranhas da terra. Em que se tornará o cérebro?

Já dormi tudo que podia e o dia não amanhece. A cama me expulsa e lembro que algo de bom aconteceu: acabou a sexta-feira 13 e já é sábado. Ah, então já é sábado... Um típico representante da geração cretina estacionou o automóvel na rua e espalha funk à vizinhança como se desejasse acordar o mundo e estourar-lhe os tímpanos.

E digo comigo: o que leva um imbecil deste a pensar que tem esse direito? Plena madrugada, a cidade dorme... Não respeita o próximo, não reconhece as normais sociais, não se respeita, não respeita aos demais... Bem que o diabo poderia levá-lo, ou, então, mandar-lhe o Cabo Bruno. Ficar sobre a terra fazendo o quê?

Mas eu não quero que cretinos me faça usar o lado concreto e perverso da minha massa cinzenta. Eu quero apenas teclar minha insônia em paz. Barulho só o do teclado. Ah, vou parar um pouco, fazer mais um capuccino (acho que é assim que se grafa) e vou ver se escrevo cientificamente. Preciso concluir um estudo sobre a alma nordestina, a minha alma. Também preciso revisar um romance que conclui em dezembro; chega de gaveta.