Retratos de vida

Todo domingo a vejo passar, com passinhos rápidos e

ligeiros com um pacotinho agarrado ao peito. Uma senhorinha sim- pática, cabelinhos presos num coque, e fico pensando: de onde es-

tará vindo e para onde irá?

Domingo sem movimento de carros nas ruas, onibus va-

zios, e lá vai ela com os passinhos ligeiros, mergulhada talvez em seus

pensamentos.

Viúva talvez? sem netos, ou talvez com eles morando

longe, não dando a ela a oportunidade de como toda avó ralhar /

quando vê farelos de biscoitos, balas derretidas pelo tapete, chicle-

tes agarrados á sola dos sapatos, crianças chorando porque os ovos

fritos não sairam com as gemas inteirinhas, e eles não aceitavam....

netos abrindo suas gavetas, desenrolando seus novelos de lã, casa

cheia de amiguinhos, naquela balburdia que só as crianças apreciam.

Estaria ela pensando nisso enquanto caminhava com pas-

sinhos ligeiros? ou estaria pensando no marido que aos domingos sen-

tava-se à mesa com a barba por fazer e ainda de pijama..........

Ou quem sabe estaria pensando nas noras, na maneira

moderna de criar filhos, com total permissividade..... e as crianças fa-

zendo o que bem entendem sem nenhuma censura?

Se os tivesse, valeria a pena ir vê-los e ver a bagunça

dos quartos desarrumados, e eles, respondendo agressivamente aos

pais? Ou quem sabe estivesse pensando nos filhos que haviam lhe a-

bandonado, deixando-a à própria sorte cuidado das suas samambaias, seu tricot, suas lembranças?

E lá ia ela caminhando com passinhos rápidos naquele sapatinho com salto antigo, e o coraçãozinho cheio de saudade doi-

da.

Mas quem sabe estivesse feliz, desejando chegar no seu quartinho, colocar uma toalha de plástico na mesa, preparar seu chá- zinho e saborear os pasteis de carne, as coxinhas, e os deliciosos

waffers que rechearia com geleia de damasco, sua preferida, embala -

dos no pacotinho que todos os domingos vazio trazia da padaria, caminhando com seus passinhos ligeiros.

Vendo-a, imagino que ela esteja se sentindo solitáriamente feliz.