Adoráveis Mentirosos ( Celismando Sodré - Mandinho)
ADORÁVEIS MENTIROSOS
Todo escritor é um mentiroso. Claro que uns mais ou muito mais, e outros menos ou muito menos. Alguns mentem com as mais nobres das intenções e outros por objetivos mesquinhos.
Os Poetas, por expressarem seus devaneios e utopias, falarem sobre coisas que, às vezes, dizem respeito só a eles, e por acreditarem em impressões que são captadas pelos nossos sentidos que são falhos, realmente eles são difíceis de serem compreendidos, por causa de suas viagens subjetivas, de seus mergulhos sufocantes dentro de seus egos, procurando juntar os cacos de suas almas doloridas. Mas, o que seria a vida sem eles, que olham para o mundo de um jeito diferente?
Os ficcionistas, porque já ganham a vida escrevendo mentiras, inventando histórias, situações e personagens que, não raros, são baseados em fatos reais, às vezes, falam grandes verdades por trás das supostas mentiras. Que Deus conceda a estas mentes, sempre inventivas, a capacidade de criar grandes mentiras para o deleite de todos os leitores.
Os historiadores, porque suas pesquisas baseiam-se no relato de terceiros, onde muitos mentiram ou acreditaram em mentiras relatadas por outros, e mesmo que eles estejam o mais perto possível do fato histórico a ser contado, o que eles vêem de um jeito, outros podem ver de outra forma. Muitos ainda, entortam os fatos ao sabor de suas conveniências pessoais e convicções políticas, ideológicas, culturais e dogmáticas, escondendo ou criando detalhes preciosos para o levantamento da verdade.
Os memorialistas, porque confiam numa faculdade da mente que muitas vezes nos traem: a memória, que tanto pode criar fatos do passado que jamais existiram, como pode omitir outros que realmente aconteceram, onde as ilusões passam a ser verdade e a verdade passa a ser ilusões.
Os biógrafos, quando engrandecem ou diminuem seus biografados de acordo a admiração ou o ódio. Quando entrevistam suas fontes de pesquisa que falam o que quer, procurando: ou enaltecer a figura de alguém ou denegri-lo de acordo a seu bel prazer.
Os cientistas, porque as supostas verdades que eles descobrem e divulgam, hoje, podem ser a grande mentira ou o equívoco de amanhã. Além da fogueira das vaidades que cercam o mundo científico, porque os gênios também são humanos e inventam mentiras, inclusive uns sobre os outros.
Os filósofos, que elaboram suas teorias fundamentadas em bases não muito sólidas e que terminam não resistindo aos solavancos provocados pela posteridade. Isto só vem comprovar a efemeridade das suas verdades teóricas, que só serão absolutas, até que se prove o contrário, e após a remoção do último vestígio de dúvida. E já que tudo é relativo...
O contador de histórias, que irresistivelmente, faz da mentira o substrato para seus exageros, e sua criatividade para sempre aumentar ou inventar um ponto, ao contar um conto, é a sua marca registrada. É um grande enfeitador.
Mas, que maravilhosos mentirosos são estes que dão sabor e sentido às nossas vidas; que permite nossas divagações e reflexões, que estimulam nossas imaginações para viajarmos para o passado e para o futuro, analisando o presente com seus acontecimentos atuais sobre o mundo e os homens. Que faz da nossa alma, algo tão complexo e único que torna a vida gratificante, apesar de todos os obstáculos do caminho; que nos faz penetrar no mundo dos outros, tentando decifrar seus corações e suas mentes. Que maravilhosos mentirosos que nos fazem, tão humanamente, fascinantes.