XADREZINHO I
Era uma manhã de janeiro de 1978, quando por graça e arranjo de Neuza, uma colega do curso de Letras, cunhada do saudoso Aloísio dos Santos (então Deputado Federal por Cariacica), eu, Minã, Fiotinho, Tiquinha e Miúda chegamos à capital federal.
Penso que o convite fazia parte de uma estratégia política mais ou menos do tipo: “eu lhes arrumo um ônibus e um hotel em Brasília e vocês, agradecidos, um dia votarão em mim”. Tá certo que o coletivo não era nenhuma “Brastemp” e que o “hotel” não passava de um alojamento para estudantes, localizado onde “Judas perdeu as meias” (as botas ele as perdeu antes!), mas ficamos todos empolgados e agradecidos.
Nosso deslumbramento com a cidade projetada por Niemeyer foi tanto que acabamos nos perdendo do restante do grupo, e tivemos de voltar para a “hospedaria” de taxi. Uma vez lá, vimos nossos colegas, já banhados, entrarem em nosso ônibus para irem jantar no centro da cidade.
Também nós fomos lavar nossos corpos e nos embelezar para, no final, descobrirmos uma coisa péssima: não conseguiríamos jantar, simplesmente porque não tínhamos como sair daquele local. Em outras palavras: não havia nenhum meio de transporte que passasse perto de onde estávamos.
Imagine só você sair de Linhares, caprichar no visual e no perfume para acabar tendo de dormir com fome, na terra dos Candangos. Não! Era demais pro nosso ego. Não desistiríamos tão fácil! Alguém teria de aparecer naquele “c. do mundo” e conduzir tão belas donzelas a um local em que se vendesse algo mastigável, que não fossem chicletes, claro! Voltar não seria problema, utilizaríamos um taxi.
Postamo-nos à frente da “hospedaria”, as lombrigas comendo as “solitárias”, e nossas únicas alternativas eram rezar e aguardar. Vimos os ponteiros de nossos relógios mostrarem 21 horas, 21h e 30 min... Por volta de 22h, apareceu no alojamento um Opala com três senhores (“senhores” é eufemismo. Eram três velhos, mesmo!), procurando alguém que, para nossa sorte, ali não se encontrava. Aproximamo-nos do veículo em três e eu, a “mais pra frente”, resolvi começar um diálogo com o ancião do volante:
_”Moço”, nós somos do Espírito Santo, nos desencontramos do pessoal do nosso ônibus...ainda não jantamos...Os senhores podem nos dar uma carona até o centro da cidade?
Diante do seu sorriso de consentimento, nós seis invadimos o opalão. Vamos ver se você sabe matemática: seis moçoilas mais três anciões é igual a.... Isso! Nove! Quatro na frente (o motorista, eu, Fiotinho e outro velho) e cinco atrás: Minã, Tiquinha, um velho, Miúda e Neuza.
Os “brotinhos” se apresentaram como militares e pensei com meus botões: “meu pai não veio, mas mandou o pessoal da caserna tomar conta de nós.”
Poderia ser uma cena de um filme sobre asilos e enfermeiras, mas estávamos pouco nos lixando, estávamos felizes pela esperança de nos alimentarmos.
Passamos na frente de dezenas de restaurantes e nada dos “mancebos” pararem! Quando pedimos para que nos deixassem em qualquer lugar, eles sugeriram:
_ Um bom local para se comer é o XADREZINHO! Na hora não imaginamos o que poderia ser um lugar com esse nome, mas se fosse um trailer desses que vendem hamburger, já estaria muito bom!
O tal lugar era na “casa do ferro”, porque o carro rodou, rodou, rodou, o asfalto acabou, e tome o carro a andar! Fome corroendo o estômago, instinto de perigo aguçado, coração disparado...Sexto sentido? Em cada uma de nós o silêncio escondia o temor de morrer sem comer, ou pior, de virar comida de velho.
Alguns minutos depois os “mancebos” estacionaram em frente a uma discoteque (se lembra desse nome?). Nem chegamos a saber se serviam comida ali, pois nossa fome quase passou quando fomos tiradas, por nossos “príncipes”, para dançar.
Não! Não e não! Sair de Linhares para dançar com vovôs em Brasília? Definitivamente, não! Inventei uma “dolorosíssima” enxaqueca, comecei a choramingar pedindo para voltarmos ao hotel, mas eles não se sensibilizaram. Minã ensaiou, primorosamente, uma crise de asma, mas os velhos assanhados não se tocaram. Murchamo-nos todas por fome, medo e decepção.
Eureka! Fomos as seis para o banheiro bolar um plano secreto: subornaríamos um garçom e ele teria de nos transmitir um recado, tão logo retornássemos à mesa. É verdade que ele relutou, mas acabou topando:
_ Por favor, aqui tem alguém do Espírito Santo? Indagou o garçom.
_ NÓS! NÓS! NÓS! Gritamos em uma só voz.
_ Telefone para senhorita Neuza. Disse o rapaz.
Nossa amiga levantou-se, escondeu-se no banheiro e voltou dois minutos depois com uma voz dramática, um semblante abatido, digno de um Oscar, e disse:
_ Quem telefonou foi a polícia! Uma das meninas da excursão foi atropelada, está hospitalizada e eu, como responsável pelo grupo, tenho de ir pro hotel AGORA!
Funcionou! Os assanhados nos levaram para a “hospedaria”, sem mesmo desconfiar que um dos motivos do garçom relutar em aceitar o nosso suborno era o fato de o XADREZINHO não ter telefone.
Pensa o leitor que o grupo foi dormir? E alguém consegue dormir com fome? Não deixe de ler XADREZINHO II, O RETORNO, na próxima edição.
Era uma manhã de janeiro de 1978, quando por graça e arranjo de Neuza, uma colega do curso de Letras, cunhada do saudoso Aloísio dos Santos (então Deputado Federal por Cariacica), eu, Minã, Fiotinho, Tiquinha e Miúda chegamos à capital federal.
Penso que o convite fazia parte de uma estratégia política mais ou menos do tipo: “eu lhes arrumo um ônibus e um hotel em Brasília e vocês, agradecidos, um dia votarão em mim”. Tá certo que o coletivo não era nenhuma “Brastemp” e que o “hotel” não passava de um alojamento para estudantes, localizado onde “Judas perdeu as meias” (as botas ele as perdeu antes!), mas ficamos todos empolgados e agradecidos.
Nosso deslumbramento com a cidade projetada por Niemeyer foi tanto que acabamos nos perdendo do restante do grupo, e tivemos de voltar para a “hospedaria” de taxi. Uma vez lá, vimos nossos colegas, já banhados, entrarem em nosso ônibus para irem jantar no centro da cidade.
Também nós fomos lavar nossos corpos e nos embelezar para, no final, descobrirmos uma coisa péssima: não conseguiríamos jantar, simplesmente porque não tínhamos como sair daquele local. Em outras palavras: não havia nenhum meio de transporte que passasse perto de onde estávamos.
Imagine só você sair de Linhares, caprichar no visual e no perfume para acabar tendo de dormir com fome, na terra dos Candangos. Não! Era demais pro nosso ego. Não desistiríamos tão fácil! Alguém teria de aparecer naquele “c. do mundo” e conduzir tão belas donzelas a um local em que se vendesse algo mastigável, que não fossem chicletes, claro! Voltar não seria problema, utilizaríamos um taxi.
Postamo-nos à frente da “hospedaria”, as lombrigas comendo as “solitárias”, e nossas únicas alternativas eram rezar e aguardar. Vimos os ponteiros de nossos relógios mostrarem 21 horas, 21h e 30 min... Por volta de 22h, apareceu no alojamento um Opala com três senhores (“senhores” é eufemismo. Eram três velhos, mesmo!), procurando alguém que, para nossa sorte, ali não se encontrava. Aproximamo-nos do veículo em três e eu, a “mais pra frente”, resolvi começar um diálogo com o ancião do volante:
_”Moço”, nós somos do Espírito Santo, nos desencontramos do pessoal do nosso ônibus...ainda não jantamos...Os senhores podem nos dar uma carona até o centro da cidade?
Diante do seu sorriso de consentimento, nós seis invadimos o opalão. Vamos ver se você sabe matemática: seis moçoilas mais três anciões é igual a.... Isso! Nove! Quatro na frente (o motorista, eu, Fiotinho e outro velho) e cinco atrás: Minã, Tiquinha, um velho, Miúda e Neuza.
Os “brotinhos” se apresentaram como militares e pensei com meus botões: “meu pai não veio, mas mandou o pessoal da caserna tomar conta de nós.”
Poderia ser uma cena de um filme sobre asilos e enfermeiras, mas estávamos pouco nos lixando, estávamos felizes pela esperança de nos alimentarmos.
Passamos na frente de dezenas de restaurantes e nada dos “mancebos” pararem! Quando pedimos para que nos deixassem em qualquer lugar, eles sugeriram:
_ Um bom local para se comer é o XADREZINHO! Na hora não imaginamos o que poderia ser um lugar com esse nome, mas se fosse um trailer desses que vendem hamburger, já estaria muito bom!
O tal lugar era na “casa do ferro”, porque o carro rodou, rodou, rodou, o asfalto acabou, e tome o carro a andar! Fome corroendo o estômago, instinto de perigo aguçado, coração disparado...Sexto sentido? Em cada uma de nós o silêncio escondia o temor de morrer sem comer, ou pior, de virar comida de velho.
Alguns minutos depois os “mancebos” estacionaram em frente a uma discoteque (se lembra desse nome?). Nem chegamos a saber se serviam comida ali, pois nossa fome quase passou quando fomos tiradas, por nossos “príncipes”, para dançar.
Não! Não e não! Sair de Linhares para dançar com vovôs em Brasília? Definitivamente, não! Inventei uma “dolorosíssima” enxaqueca, comecei a choramingar pedindo para voltarmos ao hotel, mas eles não se sensibilizaram. Minã ensaiou, primorosamente, uma crise de asma, mas os velhos assanhados não se tocaram. Murchamo-nos todas por fome, medo e decepção.
Eureka! Fomos as seis para o banheiro bolar um plano secreto: subornaríamos um garçom e ele teria de nos transmitir um recado, tão logo retornássemos à mesa. É verdade que ele relutou, mas acabou topando:
_ Por favor, aqui tem alguém do Espírito Santo? Indagou o garçom.
_ NÓS! NÓS! NÓS! Gritamos em uma só voz.
_ Telefone para senhorita Neuza. Disse o rapaz.
Nossa amiga levantou-se, escondeu-se no banheiro e voltou dois minutos depois com uma voz dramática, um semblante abatido, digno de um Oscar, e disse:
_ Quem telefonou foi a polícia! Uma das meninas da excursão foi atropelada, está hospitalizada e eu, como responsável pelo grupo, tenho de ir pro hotel AGORA!
Funcionou! Os assanhados nos levaram para a “hospedaria”, sem mesmo desconfiar que um dos motivos do garçom relutar em aceitar o nosso suborno era o fato de o XADREZINHO não ter telefone.
Pensa o leitor que o grupo foi dormir? E alguém consegue dormir com fome? Não deixe de ler XADREZINHO II, O RETORNO, na próxima edição.