A MAMÃE VIÚVA

Não que tivesse sido de todo mau marido, mas depois de morto tornou-se. Estourou os miolos num desastre de jeep. Morreu quando não podia ter morrido. E sem INSS nem seguro de vida, deixou a mulher viúva e cinco filhos menores entregues ao Deus dará. Sem ter feito juramento solene de Hipócrates, em vida era conhecido como o "doutor", aviava receitas, fazia partos. O que ganhava comia e, se sobrava, vestia.

E de onde saíra só, agora viúva e com ela enrabichados os cinco pequeninos, pra casa do pai voltava, porque a mãe boa que ela teve , lá pro alto foi levada.

O pai, que já fora gente, agora era um bodegueiro amasiou-se com uma rapariga da zona e com ela compartilhava um minúsculo e fétido quarto nos fundos da sua bodega, entregando à filha viúva a casa onde então morava, mas esquecendo-se que aquela gente comia, dinheiro do seu bolso a sua filha não via .

Coitada da mamãe viúva, que só de prendas domésticas entendia, não tinha a quem recorrer nem préstimos a oferecer, o seu orgulho danado, na cidade conhecido, tudo isso a perturbava. A criançada chorava, uns com fome, outros com dor de dente e a viúva rezava.

Doze anos de idade fizera o mais velhinho e um emprego numa padaria arranjara, mas para desespero seu, a irmãzinha caçula estava lá todas as tardes a pedir-lhe cinco reais de pão e ainda a exigir-lhe o troco sem que dinheiro algum tivesse dado.

Chorava, ameaçava-a em casa o rapazinho, contudo, na irmãzinha astuta, gritava mais alto a necessidade. Diante das dificuldades, a mamãe viúva impotente e a criançada bem viva a se virar travessamente.

Galinha do vizinho, que pulasse a cerca, não tinha retorno, ia direto pra panela e, pra não deixar vestígios, suas penas no quintal eram enterradas. Depois que a mamãe viúva comia, era que tomava conhecimento da procedência da afanada e, uma lição de moral, sem muita convicção, era dada.

E, assim, sobreviviam, um ovo pedido aqui e outro acolá, mangas, goiabas, cajus dos pés, que não plantavam e dos vizinhos surrupiavam.

Um outro menininho cresceu e um emprego numa loja de tecidos aconteceu, a irmãzinha caçula o mesmo expediente da padaria aprontava, só que o irmãozinho da loja, mais compreensivo cooperava.

E nesse padecimento, conseguiu a mamãe viúva ficar velha, os filhos todos usando "corega", desonestos não ficaram, até um doutor se foi feito e pra gente todos deram.