A Prostituta Sem Nome
"Audrey Hepburn, como a atriz." disse a prostituta, pronunciando com gosto a última palavra, para um apanhado de músculos que ainda terminava de se vestir depois de quinze intensos minutos de prazer comprado. Ele deve ter reclamado porém Amanda não ligava muito, no fundo era muito esperta e adorava parodiar com os clientes: analisava o tipo do cara e buscava o nome que menos fizesse sentido. Outro momento especialmente saboroso para ela era a hora de receber o dinheiro, em geral adorava o ar de superioridade que sentia ao ver que o homem se humilhou e chegou tão baixo, quase rastejando por alguns instantes de prazer. Mesmo sabendo que não era uma mulher como as das capas de revistas de cosméticos, na real, fazia questão de não mostrar seu mais belo lado. Era quase como um conto de fadas, sempre desejou acordar, achar o príncipe encantado e aí sim levantar o véu da prostituta e se revelar a bela princesa trancafiada na torre. Sua pela negra era muito bonita isso ninguém negava, porém ainda arranjaria tempo, ela queria um sorriso perfeito ou mesmo um rosto de boneca de porcelana, coisas que nem de perto chegava. Se tivesse tempo de se cuidar melhor também teria um corpo mais em forma, mais isso ela faria algum dia para o príncipe.
“Vamos lá, mais uns três, e por hoje chega.” disse a si mesma enquanto se limpava no banheiro, apesar de fazer tudo que a profissão pedia, sempre se sentia imunda após o ato e com isto uma necessidade imensa de se limpar, por vezes na frente do cliente mesmo.
Desceu para o salão principal da casa, as luzes vermelhas piscando, a música alta e que não fazia mais o menor sentido, os rostos nulos e sem expressão, tudo a incomodava. O sorriso plástico cresceu no rosto e se mostrou radiante de alegria, tanto mostrava a felicidade que era mais um ato de desespero para esconder a tristeza profunda e encravada em sua pele. Como sempre se deixou guiar pelo automático escolheu o primeiro rosto nulo que parecia inocente e que não fosse pedir demais e foi até ele sentando-se no colo, como a mais ordinária das Lolitas, algo que nem Anita conseguiria realizar. Sentava e procurava tratar de excitar logo seu cliente, afinal quanto mais ativa a cabeça de baixo, menos sangue na superior e conseqüentemente o trabalho se tornava muito mais fácil. O hálito de pinga era tão forte que ela precisou se imaginar num campo de flores no interior em Pouso Alegre para resistir. Apesar das marcas claras de sofrimento e desgaste o homem era bonito, ou melhor, tinha seu charme: moreno forte, tinha os traços retos no rosto mostrando ao mesmo tempo uma beleza quase primitiva misturada com um olhar perdido e desolado, típico das grandes metrópoles. Ia ser como tirar doce de uma criança.
O homem se chamava Zé, e devido ao aspecto rústico dele e a pouca demonstração de intelectualidade do rapaz, ela escolheu, se chamaria “Elizeth Cardoso, como a Cantora”. Para sua surpresa o Zé abriu um sorriso malandro e começou a comentar o ótimo gosto dos pais dela. Pela primeira vez ela errara, os comentários do Zé já não faziam sentido, ela só se martelava a respeito da falta de sensibilidade que tinha em julgar o rapaz. Seguindo a risca todo o procedimento de sua cartilha trabalhista o levou para o quarto.
Quando entrava no quarto era o momento em que ela se desligava, era mais fácil. Seguia um passo a passou cuidadosamente elaborado por sua mentora. Lembrava-se como se fosse ontem o dia que, como uma menininha, entrara nesta casa. É fácil: “Eles não sabem o que fazer perante a mulheres com atitude.”. Primeiro passo: antes que ele possa querer ou pensar em algo, arranque as calças dele e caia de boca. Isso o deixará sem reação e bastante excitado, o que facilita e encurta o tempo de serviço que virá em seguida. Segundo passo: vá o levando pra cama e antes que ele pense suba nele e cavalgue como nunca, desta forma ele não vai aguentar muito e assim o trabalho acaba mais cedo. “Assim fácil fácil, não tem erro.” eram as palavras da Josiela Camargo, aquela velha puta safada que havia ensinado quase todos os atalhos da profissão.
Levantou-se e como o Zé permanecia estático depois daquela relação rápida e no mínimo intensa para um cara que não via um par de seios a muito tempo, a agora Elizeth resolveu ir se limpar, nem ligou de fechar a porta. Cantarolava uma velha canção do Adoniram, sobre o despejo na maloca. Pois o principal era isso, durante o primeiro minuto que botou os olhos em Zé, até o último segundo, ela era Elizeth e não mais ela mesma, aquilo era seu escudo, sua espada era seu sexo. Armada disto enfrentava a vida amarga e sonhava com o dia que largaria isto e simplesmente seria a princesa Amanda, amada por um príncipe e entregue a um romance Shakespeareano. O Zé ainda comentou alguma coisa do samba, mas não lhe fazia mais sentido, recebeu seu dinheiro, sentiu até um pesar diferente, como o pesar do ultimo aperto de mão, mas não ligou. Deixou a porta aberta pra a colega que vinha subindo com um velho barrigudo que provavelmente deixaria até a chave do carro e foi para o salão, desligando seus sentidos e seu coração para rumar em direção a um gringo e com o sorriso estampado no rosto e a ponta da lingua afiada disse: “Olá, sou a Mel Lisboa, como a atriz.”