ENGAZOPAR (ver significado ao final) - Berenice Heringer

Até as faveladas hoje se consideram patricinhas. Isto para se provar, na prática, que a mulher é mais influenciável por modismos românticos do que o homem. A menina da periferia ainda tem a ilusão de arranjar um cara que possa bancá-la, mas com papel passado, festança de bodas e início de nova vida assim de madame que manda ver. A fábula mitológica que continua dando ibop e voltas na caraminhola delas é a da Branca de Neve. Bela Adormecida não serve. Demora cem anos e pode nem acordar...

Ainda e sempre o príncipe. Até aquela Mari Alexandre, uma trintona, que estava matando cachorro a grito e abraçando brejaúba, pega pelo pé o rodado Fábio Jr, um eterno cavaleiro andante, mesmo com o cabelinho já ralo, talvez até precisando de alguma drágea azul. E ela quer fertilizar o seu (dela) óvulo com a semente desse Onã que já desperdiçou muito e resolveu seccionar os canais deferentes. Agora os médicos vão ter muito trabalho.

A charada sobre a gravidez na adolescência, que virou problema dos Ministérios da Saúde e do Bem-Estar Social, quiçá da ONU e do Uniceff, já foi decifrada por SF nos primórdios do século passado. Mas ninguém ouviu. Aliás, são muitos os ouvidos moucos e de mercadores, alguns acreditam no ali Babá e no Abre-te Sésamo, mas querem descartar os 40 ladrões e o Lobo Mau. E o Leão Lobo vira Cordeiro Coelho da Páscoa na fauna das band-eirantes.

Creio que hoje uma patricinha autêntica é Paris Hilton, talvez também a Chelsea Clinton.

A verdadeira mesmo, ainda há pouco, era a Athina Onassis que achou o Doda Cavaleiro do Cavalo Branco Brasileiro e vivem felizes para sempre em mansão paulistana.

As periféricas estão por aí rodando bolsinhas. Querem descolar uma grana para fazer lipo, pôr prótese nos peitos, piercing na piriquita, talvez no umbigo. Um dia desses é que saquei a finalidade última da bolinha de metal na língua, eu com meu feeling brando, quase parado para as novidadeiras morder-n-idades. A garota havia se inspirado na Monica Levinski e seu affaire com o patrão charmoso e pintoso. Tudo para incrementar o atrito. Que tal se fossem usados sucedâneos tipo palha de aço da assolam? Assim como assim. Assim como assado.

E as patricinhas perguntam à vovó, que cozinha para um bando de famintos e famigeradas, há mais de meio século, se tem suco. Isto todo santo dia. Ao final deste ano serão 366 vezes. Transformando o numeral cardinal em ordinal será pela trigentésima sexagésima sexta vez. Nós, na nossa era, em tempos que já lá vão e depois sujão, íamos para o pomar e chupávamos 50 laranjas-lima, cortávamos umas canas caianas, até mesmo a java salobra, fina e arroxeada, e nos divertíamos um bom tempo, descascando, juntando as cascas e bagaços e limpando tudo, já de olho nas carambolas e jabuticabas. Ninguém tomava suco. A garota agora quer suquinho prontinho no copinho com canudinho. E não lava o copo...

E os meninos, tirante aqueles que Jorge Amado imortalizou e bronzeou em estátuas épicas e étnicas em Capitães da Areia, será o quê querem eles? Claro que vão se empenhar num "cerca lourenço" com alguma mina disposta, mas na certa não querem, é líquido e certo, montar barraco e enchê-lo de bacuris birrentos com alguma que era princesa e, depois de um tempo, vira megera. Ela se sente traída pelos deuses e por São Longuinho, que não descobriu e nem lhe trouxe um trovador medieval. Os neguinhos querem ser Acerola e Laranjinha, fazer figuração em filme na cidade de deus, comprar tv de plasma, carrão, moto e ter grana, vinda de onde vier. The money is sine time, sem patrão, sem raça e sem cor. OK.

Engazopar: enganar, iludir, encobrir a verdade; vem de gaze: que encobre o rosto.

Vila Velha, 08 de junho de 2008.

Berenice Heringer
Enviado por Berenice Heringer em 13/06/2008
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