Ariovaldo, o mendigo da Lapa
Ariovaldo seria mais um mendigo da Lapa se não fosse suas palavras. Sua aparência não difere muito dos inúmeros mendigos destas ruas boêmias. Baixo, cabelos encrespados – muito mais pelo mal tratamento dos dias e do sol de São Sebastião – barba encrespada também, roupas surradas seguindo a moda de “Carlitos”, algumas bolsas a tiracolo, muitas bolsas. Se fosse apenas a aparência física este sujeito nem nome teria, mas pelas suas palavras já pode gozar de ter um nome: Ariovaldo. Ariovaldo segundo ele mesmo.
Ari ou Valdo, é assim que as pessoas costumam chamá-lo. Certa vez ele me confidenciou não gostar de apelidos, pois rebaixam um cavalheiro. Disse-me que sua mãe era bahiana de Salvador e seu pai nunca o conhecera. Nem história ele tem do velho. Ariovaldo hoje não tem família, não tem casa e nem amigos. Sua família é um cachorro tão fedido quanto ele, sua casa é a Rua Riachuelo e seus amigos são, bem, esses constituem o assunto desta crônica.
Ariovaldo começou a conquistar alguma atenção quando começou a praguejar algumas palavras aparentemente tolas. Ariovaldo não é um daqueles mendigos politicamente corretos que costumam jogar a culpa nos outros ou no “systema” para explicar suas mazelas. Nem muito menos é mendigo por opção. E eu acho que nem seja por loucura. Um amigo acredita que ele seja louco, mas quando escuta aquela voz rouca e segura de si, praguejando desejos do dia-a-dia, fica em dúvida da alienação de Ariovaldo. Já ouvi outros dizerem que ele é muito esperto, finge de bobo para enganar os otários. Essa parece ser a melhor explicação sobre Ariovaldo, o mendigo da Lapa. Viram, além de nome ele já ganhou até subtítulo. Talvez esse seja o título da crônica. Crônica? Esse danado está ganhando uma crônica!
Diferente dos outros mendigos chatos da Lapa, Ariovaldo não pede dinheiro. Para falar a verdade, ele nunca pediu nada. Costuma parar diante de um grupo qualquer em um bar qualquer e começa a declamar: - Sabem o que é mais delicioso num dia de sol como esse? Sabem? Uma cerveja bem gelada! Nada na vida é tão maravilhoso quanto uma grande taça de chopp gelado! Numa outra olhada está lá o danado saboreando uma grande tulipa de chopp com a rapaziada. Outro dia o vi cara a cara com um ancião, ele dizia: - Eu prefiro as morenas de pernas grossas. Sim, aquelas meninas de mini-saia. Mas hoje, meu velho, se não tivermos a imaginação em grande estima jamais estaremos saciados com as delícias do sexo, não? O ancião gargalhava sem parar, enquanto Ariovaldo saboreava um belo sanduíche de pernil acompanhado de uma bela tulipa de chopp do Gomes.
Ariovaldo é a grande atração da Lapa, para os velhos e os jovens. Para as senhoras e senhoritas. Lembro que no dia das mães ele andava pelas ruas segurando um papel todo amassado. No fim da tarde o vi declamando uma poesia que estava escrita neste papel para a Dona Cemira. Muitos disseram que ela se emocionara. Desde então Ariovaldo tem garantido um belo café da manhã da padaria da rechonchuda portuguesa.
Um sujeito chamado Carlinhos, que costuma fazer alguns vídeos na região, fez três vídeos com Ariovaldo. Esses vídeos estavam no You Tube, mas desapareceram. Eram três tomadas interessantes, onde mostrava Ariovaldo em seu dia-a-dia. Parece que o tal Carlinhos dava uma grana pro Ariovaldo. Alguns me disseram que ele estava montando um curta e iria tentar lançá-lo em algum vídeo-club. Mas deu tudo errado. O pessoal disse que certo dia um pessoal de alguma agência do governo sabendo do caso do vídeo identificou que o Carlinhos estava explorando o “pobre” do mendigo. Proibiram o Carlinhos de comercializar o trabalho, pois estavam preocupado com a exploração da imagem de um alienado por um sujeito astuto e interesseiro que buscava enriquecimento fácil.
Não consigo entender essas entidades que dizem preocupadas com a exploração capitalista dos pobres, dos desabrigados, dos alienados, etc. Nunca vi um deles vir até a Lapa para ajudar a resolver os problemas do “coitado” Ariovaldo ou de qualquer outro mendigo. Mas quando alguém vê uma oportunidade de ganhar alguma coisa e ao mesmo tempo ajudar as pessoas a melhorarem sua situação social, pronto, começam aparecer os tão “generosos” socialistas tupiniquins. Alguns deles já montaram até um curso de uma filosofia ultrapassada e inepta num casarão da Lapa. Parece que se reúnem lá para amaldiçoar o sucesso do liberalismo em todo o mundo e prantear a morte do marxismo. Um amigo me contou uma cena hilária, quatro jovens ao sair do curso de marxismo bebiam coca-cola num barzinho e falavam mal dos malvados Yankees.
O que aconteceu com Ariovaldo? Fiquei sabendo que ele estava morando numa casa institucional que tem por objetivo servir de apoio a mendigos alienados. Lá eles estão livres da rua e dos aproveitadores de plantão. A Lapa ficou mais triste sem Ariovaldo. Sem sua voz rouca praguejando e clamando por um chopp gelado, ou momentos de delírios quando contemplava uma bela morena de mini-saia.
Ontem, ao passar pela Igreja Batista Farol da Lapa, fiquei muito alegre. Ariovaldo estava pintando as paredes da Igreja junto com os irmãos. Vi-o quando comia um belo prato e conversava com o pastor. Ali próximo estava o Carlinhos. Carlinhos dissera que Ariovaldo fugira da casa institucional, ele não agüentava mais comer ervilhas. Caímos na gargalhada! Sem falar na cerveja gelada e nas morenas da Lapa. Um jovem seminarista que estava ali disse-me: - Nem o anjo da Lapa agüentava mais de saudade e só ele, mais ninguém, para convencer Ariovaldo a pintar essas imensas paredes da Igreja!
Ariovaldo voltou a Lapa. Voltou a sua rua. A sua gente. Agora ele estará mais atento às pessoas que tentam eliminar os talentos.