Ofensa

De uma a outra ponta da cidade – nas igrejas, nas escolas, nos clubes, nas casas de famílias e nas liberais – todos sabiam o nome, os tamanhos do corpo e a maneira incontroversa pela qual poderia ser facilmente identificada.

Extrovertida. Amizade em todos os lugares. Falava, gesticulava, escandalizava. Em pouco tempo rompeu os limites da cidade: mais pessoas, mais festas, mais bebidas, mais homens, mais camas.

Sua fama espalhou-se em três tempos.

Velhos, homens maduros, jovens e adolescentes – ansiosos pela iniciação amorosa – ouviram de suas peripécias, das aventuras, das narrativas épicas e fantásticas.

Embora proibidas pelas mães, as filhas escapavam ao severo controle para pedir-lhe informações e dicas, matar a curiosidade, colocar em dia a fofoca. Queriam conselhos sobre posições sexuais, explosões de orgasmos, de como travar um homem na cama.

Conquistá-la? Assim como milhares de garotas, uma conversa idiota, dois copos de cerveja, um pratinho de amendoim ou de azeitona pagavam a noite. Se preciso, ela rachava o dinheiro do motel, da gasolina e do refrigerante, da cerveja, da cachaça.

Em pouco mais de sete meses, aviões de Curitiba, Rio de Janeiro, São Paulo, João Pessoa, Belo Horizonte e Porto Alegre desciam lotados. O principal ponto turístico?

O comércio da cidade aumentou consideravelmente: bares e restaurantes lotados, hotéis sem vagas para os fins de semana, agências de aluguel de carros abertas vinte e quatro horas, táxis transitando madrugada adentro, cinemas e teatro atulhados.

No cruzamento da Perimetral com a Avenida Rui Barbosa se testemunhava um pessoense e um porto-alegrense discutindo economia. Mais a frente, um paranaense e um carioca disputando quem levaria o campeonato brasileiro. Antes de chegar ao prédio da justiça federal, dois escritores contemporâneos provenientes de Belo Horizonte e de Natal discutiam a influência de Murilo Rubião e Graciliano Ramos na literatura atual.

Intelectual, iletrado, rico, pobre, sulista ou nortista, gaúcho ou pessoense, alto, magro, baixo, gordo: todos a procuravam! Como a Geni da música do Chico Buarque, atendia a todos. Exceto o Cheiroso.

Cheiroso enriquecera plantando soja, milho, algodão e trigo. Depois, alugou as terras para uma usina de cana de açúcar. Produzir álcool em larga escala e açúcar para exportação, asseverou um encarregado de fechar o contrato.

Se o dinheiro não era muito, o trabalho era pouco. Passava o dia procurando notícias na internet, revirando o galinheiro, tirando leite de umas vacas ganhadas de um tio meio louco, andando de trator pelas estradas que cortavam os sítios da região.

Num desses passeios de trator, dois caipiras comentavam da mulher que expandia carinhos e agrados. Solitário, decidiu encontrá-la, propor-lhe um acordo, uma compensação pela prestação de serviços.

No sábado à noite, entrou na agitada e quase intransitável Avenida Rui Barbosa. Perguntando de grupo em grupo, descobriu que não possuía restrições: desde que homem e não negasse fogo, ela o açambarcaria.

Vestido engraçado, sandálias vermelhas e riso escandaloso. Às vinte e duas horas, entrou na Avenida com algumas amigas. Sem tergiversar, ele aproximou-se:

- Te dou 300 contos para passarmos umas horinhas agradáveis. Pago motel, pago restaurante, pago bebida e te dou presentinho.

Desceu-lhe a mão na cara. Inicialmente um grupo de rapazes, bíblia sob o braço, em seguida alguns jogadores de bola e, por fim, alguns policiais seguraram-no e o arrebentaram violentamente. O que ele pretendia?

Ela chorou, humilhada. Pensava que ela era qualquer uma? Assim como a Geni da música do Chico Buarque, apesar de rolar e se lambuzar com quarenta e cinco homens por mês, não se envolvia com qualquer um. Oferecer dinheiro? O que pensava?

Naquela noite, a cidade morreu.

*Publicado originalmente no Jornal de Assis (Assis - SP) de 12 de junho de 2008.