Ainda Penso Nele



Caminhava apressada na rua, mais especificamente, na estreita calçadinha sobre o viaduto. No sentido contrário, três homens vinham ágeis, porém, alegres, conversando entre si.
Abriram passagem para mim, que passei muito rente a um deles. Perto o suficiente para ser violentamente atingida pelo cheiro de cigarro. Não pude evitar a careta. Certa de que eles não a viram, senti-me aliviada. Alívio imediatamente substituído por nova apreensão, já que, logo atrás deles, vinha uma mulher. Pensei:
- Coitados. Se ela viu minha cara, vai achar, isto é, saber que eles estão fedendo.
Decidi que iria, ao passar por ela, comentar sobre o cheiro de cigarro. De todos os cheiros que poderiam justificar a cara que eu fiz, este, embora seja o que evidencia menor inteligência, pelo menos não testemunharia contra a higiene íntima dos rapazes. Mais convencida fiquei da pertinência da minha decisão ao perceber-lhe a barriga. Ela, grávida, me daria razão. Foi quando vi, a um olhar mais atento, o cigarro em sua mão. Fiquei tão chocada com esta nova descoberta que esqueci os rapazes fedorentos ou a possibilidade de tê-los constrangido.
Passei por ela sem dizer palavra, perguntando-me como uma "mulher preparando outra pessoa"* e, conseqüentemente já devidamente informada dos riscos de seu vício para a formação do bebê, poderia ser tão egoísta ou fraca. Pensei em voltar e dizer-lhe isso, mas sabia que ela já deve ter ouvido isso e muito mais do médico, do marido, dos pais e sogros. Se nenhum deles fez efeito, porque eu, uma estranha careteira faria?
Lembrei do meu irmão, fumante há mais de vinte anos. Minha mãe, eu e os outros irmãos já nos oferecemos para bancar um tratamento que o faça parar. Ele responde, convicto:
- Parar?? Por quê? Eu gosto de fumar!
Aos quarenta e dois já começa a apresentar alguns sinais dos efeitos da nicotina no organismo. Ainda assim, mantém o discurso.
Bem fez o outro irmão. Largou tudo aqui, nós, a esposa e os filhos e passou um mês em Floripa, pescando. Na volta, deixou o vício para trás.

Chegando ao trabalho, sou cumprimentada por um colega com um aperto de mãos que me obriga a ir ao banheiro, dar uma de Pilatos.
Saindo do elevador, passo ao lado do fumôdromo, isolado por uma porta de vidro que, eu não sei porque cargas d'águas, alguns dos usuários do espaço fazem questão de deixar aberta, empestando todo o ambiente.
De repente, percebo que estou ficando velha e rabugenta. Lembro quando trabalhava numa outra empresa e as salas eram separadas por divisórias baixas. Havia uma colega que ocupava a primeira sala e conseguia sentir a fumaça de um cigarro aceso na última delas. E gritava de lá:
- Quem tá fumaaaaando?
Nós ríamos dela. Hoje, lhe dou razão.
Sei que este texto está muito diferente dos textinhos alegrinhos que costumo escrever, mas ainda estou chocada com aquela mãe desnaturada, afogando seu bebê em nicotina.
Vou encerrar com uma piadinha, para tentar me redimir com o meu caro leitor, que não merece esse meu desabafo mal-humorado.

O sujeito pede o cigarro. O garçom traz uma carteira. No verso, o Ministério da Saúde adverte que o cigarro causa impotência sexual. Ele chama o garçom:
- Troca pra mim, moço, por favor. Me traz um daqueles que causa câncer.

É... Não deu mesmo... Até a piadinha de que me lembrei é de humor negro.
Deixo a alegria pra próxima, ainda estou pensando naquele bebê...

*
Caetano Veloso