Platônico

Ele não era o mais bonito, mas com certeza era o mais divertido. Ela não era um exemplo de mulher bem sucedida, mas sem dúvida era inteligente.

Podiam ser como Eduardo e Mônica, com papéis invertidos. Se olhavam, se observavam, sempre tomando o máximo de cuidado para que ninguém os percebesse, para que um não percebesse o outro. Vez ou outra os olhares, mesmo que cuidadosos, cruzavam-se e por alguns segundos permaneciam fixos para em seguida, quase que ao mesmo tempo, se perderem.

Não havia motivo muito certo para amá-lo. Ele não era nem de perto parecido com seus casos passados. Não sabia praticamente nada a respeito dele, os livros que já lera, os filmes que gostava e as músicas que sempre ouvia, mas tinha certeza que aquele olhar era o mais encantador e o sorriso era o mais cativante. Por mais que procurasse nada justificava realmente aquele amor. A não ser o timbre da voz, as gargalhadas, os gestos exagerados, a mão constantemente enfiada no bolso, o cabelo penteado corretamente e as expressões usadas no meio das frases. Certas coisas que nunca lhe atraíram vistas nele tinham uma força de sedução incrível.

Para ele, ela estava distante de qualquer sentimento de recíproca. Ela era ainda mais linda com os óculos de armação rosa e umas mechas soltas no rosto enquanto todo o resto do cabelo se prendia em uma trança caída pelo ombro. Ele ficava todo orgulhoso quando ela se deliciava de rir dos seus comentários e piadas, como era gostoso vê-la sorrir. Ela era exatamente a mocinha que ele procurou durante toda a sua juventude, e agora ali estava ela. Hoje ele entendia porque nunca se casou. A atenção dela com os outros, a convicção com que defende as coisas em que acredita. Engraçado a ver chegando agarrada a um punhado de livros, com sandálias baixinhas e uma garrafa de água na mão. Ele não se acreditava apaixonado por uma menina, mas ela era como uma promessa de alegria.

Por ele, ela abriria mão de mudar de país e de pular de Bang Jump, ou talvez o fizesse pular com ela; ele tem mesmo cara desses que gostam de aventura, dos que se negam a esportes radicais, mas que na hora se arriscam, gostam e querem mais. Por ele, ela até casava logo, ia constituir família cedo, deixava os livros pra mais tarde. Faria pipoca e sentaria num sofá pra ouvir as histórias dele, seria melhor que qualquer filme antigo.

Ele renunciaria a estabilidade conquistada recentemente para se aventurar no mundo com ela. Ignoraria os avisos sobre já estar na hora de casar e iria com ela conhecer novos países. Acompanharia ela em tudo, mesmo que sua coluna não o acompanhasse, iria do bar mais pacato à boate mais dançante, por ela ele até arriscaria uns passos de dança, mesmo que fossem por pura graça. Ensinaria tudo o que sabe e ficaria horas ouvindo todas as histórias que ela tem pra contar. E sorriria sempre que ela dissertasse sobre a vida.

Vêem-se poucas vezes, e sempre acompanhados por muitos, mas estão sempre preparados caso ocorra um encontro por acaso. Ambos colecionam casos e histórias para se contar, e até as contam para outras pessoas, mas essas nunca esboçam os sorrisos esperados e nunca fazem as perguntas intrigantes que só ele, ou ela, fariam num caso daqueles.

Esperam ansiosamente pela oportunidade de uma conversa, de poderem contar as histórias acumuladas e de terem sorrisos exclusivos. Sem frases alheias roubando-lhes olhares, sem questionamentos que desviam a atenção, só um minuto para que um consiga provar pro outro que está disposto a tudo.

Eles se completam de forma tão absurda e silenciosa que não se descobrem, apenas esperam a oportunidade perfeita.