O Cuspe
Escarrada no chão é um hábito porco que a gente execra. Cusparada no olho é uma ofensa mortal. Até o acidental perdigoto do vizinho falador manda para a cara da gente vírus, bactérias, micróbios de todos os tipos.
Coisa invasiva, o cuspe dos outros. Imagine por onde andaram essas bocas.
Mas cuspe da pessoa amada é relíquia sagrada. Coisa que a gente devora. Algo para saborear. Para misturar na boca uma língua com a outra. É síntese de dois apetites. Fluído sincero e generoso. Tanto que a gente não o chama de cuspe. É saliva. É elixir da vida. É veículo de germes que a gente recebe com prazer.
A gente não quer saber onde essa boca esteve. O que comeu. O que chupou. Porque o amante, quando deixa o rastro úmido no caminho dos beijos, não baba. Quem baba é cão. Amante lambe. Degusta. É capaz até de ungir.
Saliva sacra. Tônico que nasce na boca de quem ama ou simplesmente deseja. Água que a gente bebe para matar uma sede específica.
Cuspe é paradoxo. É nojento e absolutamente maravilhoso.