POR QUE TUDO ACABA EM PIZZA?

Comer e beber não são apenas atitudes primitivas irracionais para satisfazer uma necessidade primária.

Comer e beber têm de ser de caso pensado. Têm de dar prazer e servir como motivo de encontro de amigos. Serve também para festejar vitórias, nascimentos, batizados, casamentos, conquistas e para tantos outros motivos que se queira dar.

Os pratos saboreados, as espécies e os tipos de comidas geralmente são sempre adequados a cada tipo de celebração. Assim, não é aconselhável servir uma feijoada na noite de natal, Nem pastéis, como prato principal, na recepção ao presidente da República de Passargadas.

Mas as comidas, os pratos têm outra serventia que não só apenas alimentar e dar prazer. Aqui na Grande Nação Pindoba, nós, mamelucos e cafuzos, costumamos chamar um idiota de pamonha, uma coisa boa de filé; ou “só o mio”, ou “massa”, como dizem nordestinos cearenses.

Uma coisa difícil de ser resolvida é um osso duro de roer; e banana é um sujeito tolo, simplório, desligado da vida. Carne de pescoço também serve para definir a pior parte de um todo, quase sempre de qualidade.

Se uma mulher é muito agitada e dinâmica, como foi nossa querida Elis Regina, é uma pimentinha; fazer uma crítica áspera e dura é o mesmo que espinafrar alguém. Quando alguém não consegue botar as coisas em ordem e deixa tudo como está é porque fez uma salada. Embora não seja nada difícil descascar um abacaxi, esta deliciosa fruta tropical ocupa lugar de destaque para significar a solução de um grave problema.

Laranjas são notórios fantasmas que se alugam para coisas e atos escusos de gente que é peixe grande. Para xingar uma mulher, com a mais absoluta estupidez, é só chamá-la de vaca; uma imprecação da qual nunca entendi a ligação, considerando a doçura, a calma e a paciência do quadrúpede, além de sua conhecida honestidade. E a fêmea bovina, quando vai pro brejo, também serve para exemplificar uma coisa que não deu certo ou que se perdeu. A perua não é apenas a fêmea do insosso prato principal da Ceia de Natal, como se sabe. Elas podem ser encontradas em recepções festivas e shopping centers, sempre à noite; ou um pouco antes em algum happy hour de executivos multinacionais. O chuchu, outra comidinha sem graça, define categoricamente a qualidade de alguma coisa ou de alguém; escutei muitas vezes meu pai dizer: “este cantor é bom pra chuchu”, ouvindo suas óperas na Rádio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mas, com gosto de nada e muito sem graça, o picolé de chuchu pode ter outro significado.

O bom pode ser separado do ruim como se faz com o joio do trigo; desde que não se confunda alhos com bugalhos. A maçã foi a chave que abriu os olhos do primeiro casal e a porta da rua do paraíso. Também foi com ela que a bruxa malvada tentou envenenar a coitadinha da Branca de Neve. O fruto proibido do passado hoje é a caramelada maçã do amor, vendida nos parques de diversão da vida das cidades do interior caipira. Marmelada é a trapaça combinada do resultado final. Antigamente, quando se acertava em cheio, era na batata; e um relógio de pulso muito grande e feio era uma cebola. Quem era enganado com facilidade caía como um pato.

O toque supimpa final era como colocar uma azeitona na empada. Se a confusão fosse grande e ninguém se entendesse é por que dera o maior bolo; e a mesma iguaria também era expressão usada para qualificar a atitude de quem marcava um encontro com a namorada, por exemplo, e não se aparecia. Mesmo assim, o namorado era considerado um pão. Depois de tudo perdido e quando não tinha mais remédio, não adiantava chorar pelo leite derramado.

Um problema a ser resolvido também é um pepino; principalmente quando alguém deixa a gente com a batata quente na mão. As mulheres gostosas da Playboy são coelhinhas. Feijão com arroz é fazer sempre a mesma coisa, sem sair da rotina, sem compromisso nenhum, sem novidade nenhuma. Carinhosa e cheia de amor pra dar, era quem me chamava de meu docinho de coco. Uma uva era coisa muito boa e muito especial.

Embora não faça parte de nossos hábitos alimentares, muitos outros animais também servem como sinônimos para muitas outras significações. Os ricos e prepotentes são tubarões; coitados terem ainda carregar essa ofensa, os tubarões é claro. As prostitutas são piranhas. Os ignorantes são burros, jumentos ou antas. Os que ficam à espreita são os jacarés. As mulheres más são cobras, víboras, e as sogras são jararacas. Macacos me mordam é um brado. Os grandalhões e espalhafatosos são sutis como elefantes, e as gordas e balofas senhoras são verdadeiras baleias; as ladinas e maliciosas são onças, e as misteriosas e perigosas são tigresas. “Tu estás magro como um passarinho!”, dizia minha mãe enquanto me fazia comer o que eu não queria.

Quando o povão brasileirão cai em cima da carga de um caminhão tombado, recheado de comida, numa estrada esburacada, é como um enxame de abelhas ou um bando de gafanhotos. Os estivadores são fortes como touros, e alguns podem ser brabos como leões; e os militares golpistas são gorilas. Garotões são gatos, e gostosas garotas são gatas; as mimosas são gatinhas.

Os animais, comestíveis ou não, assim como as plantas, são nossas metáforas preferidas. E talvez sejam as mais usadas e as mais comuns, apesar de uma mulher boa de índole ser uma jóia, e a que possui um belo corpo ser um avião, além de ser a expressão do que se come; de comida gostosa. Quem é rico vive num mar de rosas, dizem os pobres; e os corruptos, num mar de lamas, proclamam os honestos. A vida vem em ondas como o mar, diz o poeta. Quem sonha constrói castelos de areia. A pátria mãe é gentil, enquanto o gigante estiver deitado eternamente em berço esplêndido.

Até aqui, e do que eu me lembro, essas comparações fazem sentido, são compreensíveis e são aceitas sem nenhuma contestação. Porém, dizer que uma CPI, encerrada com provas concretas sobre atos fraudulentos de notórios vigaristas, acabou em pizza porque era uma marmelada, não dá pra engolir.

CESAR CABRAL
Enviado por CESAR CABRAL em 23/01/2006
Código do texto: T102664
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