Dia dos namorados e dos amores secretos

Ou simplesmente Versos de um bêbado

Se me convidam ao barzinho, desconverso e digo que não posso, pois, quando bebo, fico brabo, puxo a faca e risco o bucho de todo mundo. É brincadeirinha... Na verdade não bebo e fico muito deslocado num ambiente enquanto todos bebem.

Mas hoje resolvi beber. De subido resolvi beber. Peguei um copão, me botei ao boteco mais próximo e pedi que seu João o enchesse de domecq. Domecq não tinha, tinha cerveja; cerveja eu não queria, aliás, tem latinha na minha geladeira que até já venceu o prazo de validade, acho. Tinha pinga de raiz. Pinga de raiz? “É bom, tem carqueja dentro e o povo gosta”, afirmou seu João que estranhava minha atitude. Mandei encher o copo, voltei para casa e fui solvendo, lentamente, a pinga de engenho com raiz...

Nem brasões, nem armas, nem guerras urbanas ou interiores... A pinga me foi amainando, me botando numa espécie de funil aonde eu só conseguia “te ver”, todo o foco estava em ti. Deu vontade de falar com Deus... Melhor não e cantei:

Ergue as mãos para os céus

Agradeça se acaso tiver

Alguém que vc gostaria

Que estivesse sempre com vc...

A velha canção parecia-me um agradecimento e quis escrever. Recusei instintivamente o computador e fiz o que raramente faço: escrever à lápis e papel. Quantas folhas escrevi! Mais de meia dúzia e as letras ficaram certinhas no papel despautado! Mas não gostei do conteúdo. Ficou muito meloso e repeti a mesma idéia de várias formas. Ridículo. Aparei, remendei e deu nisso. Aqui começa o poema de um bêbado:

Há quantos anos eu não rezava...

Há quantos anos eu perdera

A crença nesse tal de amor...

Há quantos anos restavam-me

Apenas a ironia e a descrença

Vida sem ter a quem querer

Até que um dia botei em ti o olhar

Ah! Não imaginas quão importante és

Não suporias quanto bem me faz

Sabe lá o que é pensar em alguém

E sentir a presença de Deus

Em toda a plenitude cristã...

E ouvir o universo e crer

Que mais linda é a tua voz

Ver a paz e confundí-la contigo

Pensas que és comum

Mera criatura de poucas posses

Pensas que não és minha felicidade

Teu cheiro, tua voz, teu jeito

Provam o azul do teu sangue

Queres que eu diga quem é

Todo ouro, poder, gloria e fortuna?

Queres que eu nomine o ser

Mais importante sobre a terra?

Pense somente nisso e seja feliz

Pense somente que és o motivo

Do viço que explode em mim

Se são muitos a “atordoar”

Não importa, Realeza

Não sabem voar...