"Um novo neologismo" e o Aurélio se contorcendo - Não deixe de ler!
Essa mania minha de pesquisar, às vezes me faz rir sozinho. Eu por natureza já sou um humorista. Adoro uma coisa mal feita ou uma frase que me de gancho pra fazer piadas. Principalmente as políticas. Porém, quanto mais eu pesquiso, encontro na língua portuguesa, material farto para fazer humor.
Pensar que somente os nossos vestibulandos, estudantes do segundo grau e o nosso querido Presidente é que criam pérolas por ignorância “pelo ignoto da flor do Lácio” ou falta de estudo da nossa língua, é um engano.
E os doutores, médicos renomados, formados em boas faculdades? No mínimo criam diamantes ou um “novo neologismo”. (Novo neologismo é ótimo). O Aurélio deve estar se contorcendo no túmulo depois dessa.
Leia algumas aberrações criadas na linguagem da medicina.
“Paciente com suspeita de apendicite.”
Construção dúbia. Não é o paciente que está com suspeita, mas o médico assistente é que tem a suspeita. O certo é dizer que o paciente está com manifestações ou quadro de apendicite. Dubiedade é vício de linguagem assaz criticado pelos cultores do bom estilo de linguagem.
“Paciente evoluindo estável.”
Expressão incorreta. O certo é dizer: Paciente em condições estáveis. Ou: paciente sem alterações do quadro mórbido. Não é o paciente, mas a doença é que evolui e transforma o paciente com sua evolução. Se está evoluindo, não é estável.
“Paciente evoluiu com.”
Expressão ridícula! Além disso, em rigor, é a doença (não o paciente) que evolui, isto é, se transforma, apresenta complicações, diversas manifestações, desaparece ou leva o paciente ao óbito. Paciente e doença são entidades diferentes.
O enfermo sofre a doença e toma providências contra a evolução dela. A maneira correta é: Paciente (apresentou) dor e febre. A criança (teve) melhora do quadro. (O pós-operatório transcorreu bem).
“Paciente iniciou com dor...”
Frase defeituosa. Falta-lhe o complemento do verbo iniciar. Quem inicia, inicia algo. Digamos mais adequadamente: Paciente (queixa-se) de dor. Ou: O quadro se iniciou com dor. O paciente é quem sofre as doenças. Os agentes causadores é que, de ordinário, as iniciam, não o doente. Em geral, as manifestações são iniciadas pelas lesões, não pelo doente, embora, em certos casos, seja o próprio enfermo causador de lesões.
É característica da linguagem não-literária dizer: “O paciente internou”, “Ele formou em medicina”, “Ele levantou cedo”. Mas, na linguagem formal, a regência dos verbos é estabelecida por normas de uso culto.
“Neologismos” são bem-vindos quando não há termos substitutos na linguagem corrente, como ensinam bons lingüistas. Muitos são decorrentes do desenvolvimento científico. Outros exemplos de nomes criticáveis, colhidos da literatura médica, e termos equivalentes registrados nos dicionários:
(Estes são ótimos, verdadeiros diamantes literários)
reflexos “lentificados” (reflexos lentos),
rim “funcionante” (rim produtivo ou ativo),
paciente “vitimizado” (paciente vitimado),
hipernatremia “dilucional” (hipernatremia por diluição),
déficit “atencional” (deficiência de atenção),
criança “carenciada” (criança carente),
fígado ‘cirrotizado” (fígado com cirrose),
“cirrotização” hepática (cirrose hepática),
doente “analgesiado” (doente medicado com analgésico),da até a impressão que tem alguma coisa no anal do paciente!
“medicalização’ eficiente (medicação ou medicamentação eficiente),
“factibilidade” (exeqüibilidade),
medida “paliativista” (medida paliativa),
“oportunizar” (tornar oportuno),
“perviedade” (permeável),
“obituar” (morrer, ir a óbito),
“refluxante” (com refluxo),
“topicização” (tornar tópico),
“tumefativo” (tumefacto),
“urgencializar” (tornar urgente),
“seqüelado” (com seqüela),
“recreacional” (recreativo) e outros.
(Cá entre nós... São piores do que os vestibulandos)
“Raio X do paciente.”
"Fazer raio X do paciente.".
"Examinar o raio X do doente.".
"O paciente fez um raio X de tórax.".
"Pedir um raio X de abdome.".
O termo cientificamente e gramaticalmente adequado é radiografia.
Raios X (usa-se no plural) são radiações eletromagnéticas.
Em bons dicionários como o Aulete, o Aurélio, o Houaiss, o Michaelis e outros, raio X não é sinônimo de radiografia.
Isso comprova que raio X não tem esse significado na linguagem culta. É preciso cuidar para que expressões populares, próprias da linguagem coloquial, não sejam usadas na linguagem científica formal, como publicações médicas, discursos em congressos, aulas no âmbito universitário. Por sua dubiedade, podem ser cômicas frases como:
“Tirar um raio X do paciente.”.
“Ver um raio X.”.
“Acompanhar o raio X do paciente”.
“Recuperação anestésica.”
"alta após recuperação anestésica",
"sala de recuperação anestésica",
"recuperação anestésica satisfatória".
É o paciente que se recupera, não o anestésico ou a anestesia. Pode-se dizer recuperação pós-anestésica ou pós-anestesia (do paciente). Recuperar a anestesia é o mesmo que reanestesiar o doente.
“Sintomatologia dolorosa.”
Sintoma é manifestação subjetiva de alterações mórbidas no paciente.
Sintomatologia significa estudo dos sintomas.
Sintomatologia dolorosa significa, literalmente, estudo doloroso da dor.
Além disso, é expressão prolixa e pode ser adequadamente substituída por dor: Ex.: em lugar de “Paciente com sintomatologia dolorosa leve no abdome”, deve se dizer: Paciente com dor leve no abdome.
“SOS.”
É sinal internacional de perigo. Não pertence ao léxico médico.
É aconselhável evitar essa sigla em relatos científicos destinados à publicação.
“Topografia.”
É a descrição detalhada de um local, o que se escreve sobre este.
Assim, é inadequado dizer:
“na topografia do baço”,
“dor na topografia do rim esquerdo”,
“palpação da topografia da vesícula biliar”,
“fungos existentes em várias topografias do centro cirúrgico”.
Em lugar de topografia, pode-se usar: área, local, localização, região.
Dor na topografia do baço significa que a descrição regional do baço está doendo.
“Ultrassonografia.”
O certo é: ultra-sonografia, ultra-som.
De acordo com as gramáticas da língua portuguesa, o prefixo ultra liga-se com hífen ao elemento seguinte iniciado por H, R, S e vogal. “Ultrasonografia” e “ultra sonografia” são também formas errôneas.
“Visualizar – visibilizar.”
São impróprios na acepção de ver, observar, identificar, como estão nas frases:
"Visualizada lesão à ecografia."
"Pólipo visibilizado à coloscopia."
"Tumor visualizado na radiografia."
Visualizar e visibilizar significam formar mentalmente, tornar visível mentalmente, como se vê nestes exemplos:
O engenheiro deve visualizar bem seu projeto.
O cirurgião visibilizou bem a operação no dia anterior à intervenção.
Citar que um radiologista visualizou tumor numa radiografia, pode significar que o tumor foi “imaginado”.
Esta é uma pequena amostra da ampla quantidade de pérolas, diamantes ou neologismos existentes na linguagem médica. Pontos criticáveis que podem levar um relator sério a situações desconfortáveis. Aborda uma área em que há poucas pesquisas, raras publicações e vasto campo para estudos, ainda desconhecido.
Como diria Olavo Bilac “A flor do Lácio inculta e bela”.
Eu diria que: “A flor do Lácio quanto mais inculta mais bela”.
Só na língua portuguesa é possível escrever tanta asneiras e criar obras de arte dignas de exposição em qualquer Bienal.
Engana-se quem pensa que sou um profundo conhecedor da língua portuguesa ou crítico de textos.
Sou apenas um amante das letras e pesquisador. Acho também que o escritor não deve se preocupar com a ortografia na hora de escrever. Escreva seu texto e deixe a revisão para os revisores.
O cuidado excessivo pela ortografia pode levar o escritor a mudar a frase e por conseqüência disso o texto perder o seu encanto.
Quando quiser usar um vocábulo e não tiver certeza do seu significado, consulte o dicionário para evitar “pérolas, diamantes ou neologismos” como estes.
Pensei até em fazer uma crônica irônica. Porém, como se trata de um assunto sério resolvi pegar leve.
Me aguardem! (risos)