O PONTO

O Céu estava nublado sobre uma densa garoa da madrugada fria tornando ainda mais escuro o final da noite. Poças d’água na calçada se acumulando cada vez mais. O arranha céu defronte ainda não acordara. Todas as janelas escuras, luzes apagadas. Nem uma viva alma.

Um homem à espreita, no ponto de ônibus, observa cuidadosamente até onde sua vista alcança. Tudo parado.

O vendedor de balas, acostumado com a rotina, despreocupadamente, enche os potes com bombons, pirulitos e balas. Organiza os cigarros, confere a tampa da garrafa de café, observa a temperatura das tapiocas na caixa de isopor e expõe outros apetrechos sobre o velho tabuleiro.

Um jovem de bermuda, chinelo de dedo e óculos de míope, cabelos por pentear, aguarda o ônibus encostado na parede enquanto observa um homem que se aproxima. Naquele horário, todos são suspeitos.

Surge na esquina uma moça. Aparenta uns vinte e oito anos, cabelos longos, rosto arredondado e sobrancelhas grossas. Usa calça jeans desbotada, blusa vermelha e um surrado tênis. Anda devagar com sua pesada gordura. Seus passos são cautelosos e ela parece amedrontada, desconfiada. Atravessa a primeira pista da avenida e continua andando pelo canteiro; atravessa a segunda pista e aproxima-se do meio fio. Pára sob a cobertura da parada do ônibus e arruma a calça apertada. Passa as mãos nos cabelos tentando seca-los dos pingos da chuva.

Na outra esquina surgem homens que passam todas as manhãs para o mercado de frutas. O gordo da frente, um senhor beirando a terceira idade, usa bermuda e chinelos, com a camisa aberta no peito, anda apressado e os outros o seguem quase que numa corrida, passos longos, todos parecem querer se proteger. Andam em bando. O mais alto caminha meio curvado para frente. Os homens são seguidos, a distância, por duas senhoras desconfiadas. Parecem querer a proteção dos passantes. A mais moça tenta ajeitar o soutien que parece apertado para o tamanho dos seus volumosos seios. Conversam baixinho. Não demonstram medo.

Dois trabalhadores pedalam suas bicicletas em sentido contrário. Conversam tranquilamente enquanto um deles faz um comentário sobre um assalto em sua rua.

A três quadras aproxima-se um ônibus. Para no sinal vermelho e depois dobra a direita.

Um mendigo rasga uns sacos de lixo jogados no canteiro. Procura restos de comida para saciar a fome da noite mal dormida.

A garoa aumenta e os transeuntes surgem com capas e guarda chuva. Uma luz surge na escuridão do edifício. Apaga depois de algum tempo.

O porteiro do prédio abre a porta e vai até a calçada observar o movimento. Confirma a hora, cruza os braços e fica parado, encostado na portaria do edifício. Está sonolento e boceja seguidamente.

Surge ao longe um ônibus com seus letreiros luminosos. Os passageiros dão sinal, o motorista faz uma parada brusca molhando os passageiros que sobem apressados para se livrar da chuva e seguem para seus destinos incertos. É mais um dia de trabalho que se inicia na grande metrópole.

Josa Pinheiro
Enviado por Josa Pinheiro em 08/06/2008
Reeditado em 04/08/2008
Código do texto: T1025367
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